REQUERENTE : JOSÉ OLIVEIRA SANTOS
ADVOGADO : FRANCISCO CLÁUDIO DE ALMEIDA SANTOS E OUTRO(S)
REQUERIDO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
INTERES. : CLEIGIVALDO DE CARVALHO SANTA ROSA
ADVOGADO : JÚLIO CALMON DE PASSOS RAMOS.
DECISÃO
Vistos, etc.
1. Nos autos da ação civil pública por ato de improbidade administrativa ajuizada pelo Ministério Público do Estado da Bahia, o MM. Juiz de Direito da comarca de Jeremoabo-BA deferiu o pedido de liminar para afastar, pelo prazo de 90 (noventa) dias, José de Oliveira
Santos do cargo de prefeito municipal de Sítio do Quinto.
Irresignados, o referido município e o prefeito afastado requereram a suspensão do decisório à Presidência do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, o que foi deferido monocraticamente. Contra essa decisão, o vice-prefeito de Sítio do Quinto interpôs agravo interno, o qual foi provido pelo Pleno do Tribunal a quo, restabelecendo, com isso, o afastamento determinado pelo magistrado.
Daí este novo pedido de suspensão formulado por José Oliveira Santos, com base no art. 4o, § 4º, da Lei n. 8.437/1992, sob alegação de lesão à ordem pública. Alega o requerente, em preliminar, que possui legitimidade ativa ad causam. Sustenta a incompetência do magistrado, em face do foro privilegiado do agente político. Assevera que é evidente o risco de dano à ordem pública, pois, em seu entender, há “abuso de poder com vistas a procrastinar, sem qualquer justificativa, o afastamento de um prefeito municipal” (fl. 7), bem como, porque em face de decisões concedidas em agravo de instrumento e em mandado de segurança manejados contra o decisório de 1o grau, houve a alternância, por 3 vezes, na chefia do poder municipal.
O município de Sítio do Quinto e o vice-prefeito Cleigivaldo Carvalho Santa Rosa manifestaram-se contra o deferimento do pedido (fls. 239/255).
2. Preliminarmente, compete à Presidência do Superior Tribunal de Justiça o exame deste pleito, pois constata-se que o requerente formulou, anteriormente, perante a Presidência do Supremo Tribunal Federal, idêntico pedido (SL n. 204/STF), ao qual foi negado seguimento em face da manifesta incompetência daquela Presidência (DJ de 13/12/2007).
Frise-se, ainda em preliminar, que, segundo jurisprudência desta Corte e do Supremo Tribunal Federal, "tem legitimidade ativa para ajuizar pedido de suspensão prefeito municipal que busca sustar os efeitos de decisão que o afastou do cargo" (STJ, AgRg na SL 9/PR, relator Ministro Edson Vidigal, Corte Especial, DJ de 26/9/2005). Confira-se também: STF, SS-AgRg 444/MT, relator Ministro Sydney Sanches, DJ de 4/9/1992.
No mérito, merece acolhida o pedido.
A decisão que ora se busca suspender, exarada pelo Exmo. Juiz de Direito de Jeremoabo-BA nos autos da ação civil pública por ato de improbidade administrativa, afastou o requerente, o Sr. José Oliveira Santos, do cargo de prefeito do município de Sítio do Quinto, localizado na Bahia.
Lastreou-se a decisão recorrida no parágrafo único do art. 20 da Lei n° 8.429, de 02 de junho de 1992. Dizem os citados dispositivos legais:
"Art. 20. A perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória. Parágrafo único. A autoridade judicial ou administrativa poderá determinar o afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à
instrução processual.”
De notar-se que o artigo distingue as penalidades imponíveis aos agentes públicos, distinguindo-as, também, quanto a aplicabilidade a eles. A perda da função pública é dirigida aos servidores públicos, e a suspensão dos direitos políticos aplicável também aos agentes públicos exercentes de mandato político.
É certo que também aos funcionários públicos poder-se-á penalizar com a suspensão dos direitos políticos, a teor do art. 37, § 4, da C.F./88.
De qualquer sorte, na dicção do art. 20 a perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só poderão ocorrer após o trânsito em julgado da sentença condenatória.
A decisão objurgada, porém, entendeu cabível o "afastamento" do Prefeito do Cargo para o qual foi eleito pelo povo e diplomado pelo Eg. Tribunal Regional Eleitoral.
Na definição de agente público, a Lei 8.429, no art. 2º , não distinguiu quanto a forma de investidura ou vínculo nas entidades públicas. Mas o fez, penso, quanto as "disposições penais". É que não há previsão legal de suspensão cautelar de direitos políticos. E o afastamento cautelar de prefeito ou qualquer outro agente público investido em cargo público por mandato político, conferido em eleição e chancelado pelo Tribunal
Eleitoral, corresponderia à suspensão do direito político do mandatário. O mandato de prefeito é por tempo certo. O seu afastamento do cargo implica suspensão de direito outorgado pelo povo, em eleição livre. E a lei não excepcionou quanto a suspensão dos direitos políticos, estabelecendo a suspensão temporária cautelar, como fez com relação a perda da função, possibilitando o afastamento temporário, "sem prejuízo da remuneração", e "quando a medida se fizer necessária à instrução processual. "
Impõe-se interpretar o art. 20 e o parágrafo único da Lei 8.429/92 face às regras e princípios norteadores da C. F. /88, convindo relembrar que a República democrática brasileira repousa na célebre teoria de Montesquieu, não sendo possível admitir a interferência ou invasão de um poder na esfera de competência do outro. A lei é clara quando diz que ocorrerá a suspensão dos direitos políticos após o trânsito em julgado da sentença condenatória. Ora, enquanto não transitada em julgado a sentença, a aplicação da regra do parágrafo único representaria a interrupção do mandato eletivo conferido pelo povo. E na democracia somente o povo, pelo seu órgão representativo, no caso a Câmara de Vereadores, é que pode, a seu tempo e modo determinar o afastamento dentro do processo de "impeachment".
Regidos por uma Constituição denominada "cidadã", erigida sobre os pilares da democracia - governo do povo, pelo povo e para o povo, consoante os desígnios da maioria, respeitados os direitos da minoria - assentados na liberdade e igualdade de todos perante a lei
(art. 5 e incisos), o cidadão brasileiro só será considerado culpado após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (art. 5 , LVII), assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (art. 5 , LV).
Assim sendo, não vejo, "data venia", como se possa admitir a suspensão, ainda que momentânea, por mero afastamento de cargo com investidura por mandato conferido pelo povo, em pleito livre ratificado pelo Poder Judiciário, dos direitos políticos do mandatário popular. E não se argumente que as penas de perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos não seriam de natureza penal. É de ler-se o enunciado da matéria contida no Capítulo VI da Lei n° 8.429 - "Das disposições penais" - c.c. o disposto no art. 5, incisos LV e LVII, da C. F./88. E não há pena mais degradante para o cidadão, sobretudo para o exercente de cargo público de investidura por mandato eleitoral, que a suspensão dos direitos políticos, tendo mesmo dúvidas quanto ao cabimento da ação civil pública na hipótese. Demais disso, a suspensão por qualquer tempo ou forma, dos direitos políticos do mandatário político, importa em contrariedade à vontade do eleitor, mormente quando majoritária a eleição. Por isso mesmo e para evitar a invasão de competência entre os poderes da República, submete-se o mandato político ao julgamento do próprio povo, pelos seus órgãos representativos - Senado, Câmaras Federal e Estadual e de Vereadores, e à sentença condenatória, como previsto no art 37, § 4 da C. F. /88 e no artigo 20 da Lei 8.429/92.
O afastamento, "data venia", só poderá ocorrer por julgamento político da Câmara de Vereadores, em processo de "impeachment". O afastamento da função, previsto no parágrafo único do art. 20, "data maxima venia" só se pode aplicar ao servidor público comum, não ao titular de mandato político, por isso mesmo que a culpabilidade e a suspensão dos direitos políticos só poderão ocorrer com o trânsito em julgado da sentença condenatória (arts. 5 , LXII, da C. F. /88 e 20 da Lei 8.429/92).
3. À vista do exposto, defiro o pedido de suspensão da decisão liminar exarada pelo Juiz de Direito da comarca de Jeremoabo nos autos da Ação Civil Pública n. 06/2007 (fls. 64/70).
Comunique-se ao referido magistrado e ao Tribunal a quo.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília, 24 de janeiro de 2008.
MINISTRO FRANCISCO PEÇANHA MARTINS
Vice-Presidente, no exercício da Presidência
A informação disponível não será considerada para fins de contagem de prazos recursais (Ato nº 135 - Art. 6º e Ato nº 172 - Art. 5º) Página 3 de 3.
MARTINS. Ministro Francisco Peçanha. SUSPENSÃO DE LIMINAR. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AGENTE POLÍTICO. Montalvão Advogados Associados. Paulo Afonso – BA, 25 de janeiro de 2008. Disponível em: http://www.montalvao.adv.br/plexus/julgados_acordaos_administrativos.asp