terça-feira, janeiro 08, 2008

Esperteza ou ignorância?

Carlos Chagas

BRASÍLIA - Todo mês de agosto o governo encaminha ao Congresso a proposta de orçamento para o ano seguinte. Presume-se um trabalho minucioso, detalhado e próximo da realidade, nas colunas de receita e despesa. Cabe a deputados e senadores analisar e até emendar o texto até o final do ano, com direito a prorrogação nos primeiros meses do ano seguinte.
Pois todo mundo comeu mosca ou, no reverso da medalha, malandragens foram praticadas pelo governo, sem que ninguém se desse conta, no Congresso e fora dele. Porque as emendas constitucionais que criaram a CPMF e depois a prorrogaram foram de uma clareza olímpica: o imposto sobre o cheque, em sua versão final, terminaria a 31 de dezembro de 2007.
Como, então, os tais 40 bilhões de arrecadação prevista para 2008 foram incluídos como previsão no orçamento, em agosto, pelo Ministério do Planejamento? No ano agora iniciado a CPMF não poderia mais existir, a menos que fosse prorrogada, como não foi. A tecnocracia confiou demais no Legislativo, dando a prorrogação como certa, mas cometeu um crime.
Incluiu o que não poderia, em seus cálculos, pois, pela letra da lei, estaria extinta no último dia do ano a faculdade de cobrar percentuais sobre os cheques.
É mentira, então, essa história de que o governo precisa compensar a perda de 40 bilhões, porque eles não poderiam estar previstos. Se era para cortar ou para criar novos impostos, como agora se faz, então que tivessem criado e cortado na proposta inicial de agosto. Fizeram pouco caso da inteligência nacional, tentaram dar um golpe ou nem se aperceberam da extinção da CPMF? Ignorância ou esperteza? Tanto faz, mas é assim que as coisas funcionam.
Lições de Magalhães Pinto
Nos idos de 1963 desenvolvia-se a pleno vapor a antecipação da sucessão presidencial. Fosse pela fraqueza do governo João Goulart, fosse por estar o País dividido de alto a baixo, só se pensava e agia em função das eleições de 1965. Juscelino encontrava-se em campanha, para voltar ao Palácio do Planalto. Do lado da oposição, Carlos Lacerda, governador da Guanabara, investia fundo na publicidade e na propaganda de suas obras, que não eram poucas. Ademar de Barros, em São Paulo, não perdia as esperanças.
Em Minas, também candidatíssimo, Magalhães Pinto era alertado para o fato de estar ficando para trás, porque Lacerda, em especial, ocupava todos os espaços da mídia, sem falar que João Goulart pensava em reeleição, para compensar o período do parlamentarismo que lhe tirou poderes.
Foi quando o País se viu sacudido por intensa onda publicitária vinda de Belo Horizonte. "Minas trabalhou em silêncio" - era o slogan que de repente se ouvia em todos os microfones e se assistia em todas as telinhas, com o respaldo de sucessivos anúncios de página inteira nos jornais do País inteiro.
Magalhães Pinto decidiu recuperar o tempo perdido mostrando ao País o que havia realizado e confrontando, até com vantagem, a campanha do governador carioca. Depois de tudo, era para todos, os generais ocuparam o poder e foram demolindo, uma por uma, as candidaturas civis. Por que se lembram aqueles episódios?
Porque Aécio Neves precisa, rápido, incorporar o espírito matreiro de Magalhães Pinto. Não que deva centralizar seus esforços de pré-candidato à presidência da República em luxuosas e caríssimas campanhas publicitárias. Aquele tempo passou. Torna-se urgente, porém, para irrigar as pretensões do governador mineiro, a descoberta de uma outra palavra de ordem capaz de sintetizar sua candidatura e fazê-lo recuperar o tempo perdido para José Serra.
Fora disso o governador paulista pode considerar-se candidato consagrado pela oposição. Se vai chegar à vitória, ou não, trata-se de capítulo ainda não escrito na novela em curso. Mas se Aécio Neves ainda pretende virar o jogo, 2008 é o ano. Poderia começar enfatizando que raras vezes Minas viveu um período tão pleno de desenvolvimento. O neto do dr. Tancredo recebeu um estado tumultuado e em ebulição, dadas as peculiaridades do antecessor, Itamar Franco.
Hoje, o estado respira tranqüilidade, as estruturas econômicas funcionam bem e o governador pode até dar-se ao luxo de seguidas visitas à praia de Ipanema. Pode estar por perto a transformação desse clima numa espécie de catapulta destinada a inseri-lo na revoada dos tucanos. A hora seria de inserir barulho no silêncio?
Será que param, desta vez?
Reúnem-se hoje dirigentes das diversas associações de funcionários públicos federais, da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público à Associação dos Juízes Federais e ao Fórum da Advocacia Pública. Pretendem decretar o indicativo de greve geral, como reação às ameaças do governo de suspender acordos celebrados no fim do ano passado, de reajustes e até aumento de vencimentos.
O funcionalismo público federal compõe uma colcha de retalhos, a última paralisação geral de que se tem notícia aconteceu no governo Juscelino Kubitschek, na campanha da paridade entre militares e civis. As diversas categorias carecem de um amálgama capaz de fazê-las agir em uníssono, mas, desta vez, emerge um denominador quase comum. Porque as carreiras ditas de estado, por exemplo, vão muito bem, obrigado. Da mesma forma os funcionários do Legislativo e do Judiciário.
O problema, para o governo, é que em média os servidores públicos ganham mal e assistem seus vencimentos perderem, ano após ano, o poder aquisitivo. E se em novembro passado a equipe econômica comprometeu-se por escrito ao reajuste ainda em janeiro, com aceitar o dito pelo não dito, ou o prometido pelo não prometido, tudo porque a CPMF não foi prorrogada?
É bom o presidente Lula tomar cuidado. O pior que poderia acontecer ao seu governo seria uma greve geral bem sucedida, da maioria do funcionalismo público federal.
Fonte: Tribuna da Imprensa