Mesmo sem um balanço oficial do feriado natalino, os números iniciais divulgados pela Polícia Rodoviária Federal, referentes às estradas nos dias 22, 23 e 24, são alarmantes: 134 mortos em acidentes - o que torna este o Natal mais violento dos últimos quatro anos. Se parte da culpa recai sobre a imprudência de alguns motoristas, que ignoram as incessantes campanhas sobre os riscos de beber e dirigir, parcela de responsabilidade também está na condição das próprias rodovias: esburacadas, mal sinalizadas e traiçoeiras. De acordo com a Polícia Rodoviária, o número de carros e ônibus nas estradas aumentou em 2007. O aquecimento da economia resultou no crescimento da frota e os problemas no setor aéreo deslocaram muitos passageiros para as rodovias.
Acrescente-se a constatação de que, em cinco anos, o atual governo pouco fez pela malha viária sob seu controle. Diante das estatísticas, fica evidente a inutilidade das obras emergenciais de recuperação das estradas levadas a cabo pelo governo federal no ano passado. Com custo estimado em R$ 440 milhões, a "operação tapa-buraco" limitou-se à maquiagem das rodovias mais movimentadas, reforçando a sina brasileira: sem projetos efetivos em áreas essenciais, recorre-se aos retoques de emergência. Custam caro, abrem espaço para a corrupção e exigem novos e pesados investimentos no futuro.
Enquanto isso, sobre os quase 75 mil quilômetros em frangalhos, mais de 35 mil brasileiros perderam a vida só no ano passado - quantidade superior às vítimas da guerra no Iraque. A estratégia para a redução desse trágico índice exige uma coordenação de esforços: políticos, jurídicos, educativos e punitivos. Um alinhamento entre as esferas da administração pública e organizações da sociedade civil.
O primeiro passo é o reconhecimento de que o Código Brasileiro de Trânsito, há 10 anos em vigor, não faz milagre. Além de aperfeiçoamentos técnicos, necessita mecanismos de suporte, sem os quais a aplicação torna-se uma peça retórica. Uma das prioridades é combater o comércio de pontos no prontuário da Carteira de Habilitação: por dinheiro ou afeição, laranjas assumem infrações alheias. Os verdadeiros culpados escapam da lei, mantêm a permissão para guiar e, em boa parte dos casos, seguem a rotina de deslizes e riscos à vida. Pouco adianta tornar a lei mais rigorosa se governos e condutores, debruçados na presunção da impunidade, não cumprem o determinado.
A intensificação da vigilância mostra-se igualmente indispensável. É preciso torná-la mais ampla e inteligente - incompatível, por exemplo, com a sinalização dos pontos exatos dos fiscais eletrônicos. Uma insensatez. Bastaria indicar, no início da via, a presença dos pardais - sem especificar os locais das câmeras, como é adotado nos países desenvolvidos.
Além do aprimoramento do Código, dos mecanismos para aplicá-lo com eficiência e da fiscalização, o recuo do número de acidentes depende de avanços educativos e estruturais. À mobilização de parentes e amigos das vítimas - em campanhas, cobranças, alertas - deve-se juntar iniciativas públicas e privadas para melhorar a qualidade do motorista e das estradas. A atrofia da verba pública destinada à educação dos condutores de veículos indica que o Planalto cultiva outras prioridades. Enquanto isso, amplia-se o abismo entre o tráfego nacional e a civilidade necessária. Dos R$ 160 milhões previstos este ano, só um terço chegou ao programa Segurança e Educação de Trânsito. Os dois terços pendentes foram represados para engordar o superávit federal. Útil à contabilidade do governo, a manobra pega a contramão da responsabilidade de pavimentar a formação dos motoristas. Revela-se, ainda, barbeiragem estratégica: os custos com a imprudência - responsável por 90% das colisões - superam R$ 5 bilhões, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.
A privatização de rodovias, reforçada este ano com novo lote e novas regras, insinua-se uma esperança para dirimir o apagão na infra-estrutura de transportes. Mas o processo, convém lembrar, requer acompanhamento rigoroso.
Fonte: JB Online