quarta-feira, dezembro 26, 2007

Trágica rotina nas estradas brasileiras

Mesmo sem um balanço oficial do feriado natalino, os números iniciais divulgados pela Polícia Rodoviária Federal, referentes às estradas nos dias 22, 23 e 24, são alarmantes: 134 mortos em acidentes - o que torna este o Natal mais violento dos últimos quatro anos. Se parte da culpa recai sobre a imprudência de alguns motoristas, que ignoram as incessantes campanhas sobre os riscos de beber e dirigir, parcela de responsabilidade também está na condição das próprias rodovias: esburacadas, mal sinalizadas e traiçoeiras. De acordo com a Polícia Rodoviária, o número de carros e ônibus nas estradas aumentou em 2007. O aquecimento da economia resultou no crescimento da frota e os problemas no setor aéreo deslocaram muitos passageiros para as rodovias.
Acrescente-se a constatação de que, em cinco anos, o atual governo pouco fez pela malha viária sob seu controle. Diante das estatísticas, fica evidente a inutilidade das obras emergenciais de recuperação das estradas levadas a cabo pelo governo federal no ano passado. Com custo estimado em R$ 440 milhões, a "operação tapa-buraco" limitou-se à maquiagem das rodovias mais movimentadas, reforçando a sina brasileira: sem projetos efetivos em áreas essenciais, recorre-se aos retoques de emergência. Custam caro, abrem espaço para a corrupção e exigem novos e pesados investimentos no futuro.
Enquanto isso, sobre os quase 75 mil quilômetros em frangalhos, mais de 35 mil brasileiros perderam a vida só no ano passado - quantidade superior às vítimas da guerra no Iraque. A estratégia para a redução desse trágico índice exige uma coordenação de esforços: políticos, jurídicos, educativos e punitivos. Um alinhamento entre as esferas da administração pública e organizações da sociedade civil.
O primeiro passo é o reconhecimento de que o Código Brasileiro de Trânsito, há 10 anos em vigor, não faz milagre. Além de aperfeiçoamentos técnicos, necessita mecanismos de suporte, sem os quais a aplicação torna-se uma peça retórica. Uma das prioridades é combater o comércio de pontos no prontuário da Carteira de Habilitação: por dinheiro ou afeição, laranjas assumem infrações alheias. Os verdadeiros culpados escapam da lei, mantêm a permissão para guiar e, em boa parte dos casos, seguem a rotina de deslizes e riscos à vida. Pouco adianta tornar a lei mais rigorosa se governos e condutores, debruçados na presunção da impunidade, não cumprem o determinado.
A intensificação da vigilância mostra-se igualmente indispensável. É preciso torná-la mais ampla e inteligente - incompatível, por exemplo, com a sinalização dos pontos exatos dos fiscais eletrônicos. Uma insensatez. Bastaria indicar, no início da via, a presença dos pardais - sem especificar os locais das câmeras, como é adotado nos países desenvolvidos.
Além do aprimoramento do Código, dos mecanismos para aplicá-lo com eficiência e da fiscalização, o recuo do número de acidentes depende de avanços educativos e estruturais. À mobilização de parentes e amigos das vítimas - em campanhas, cobranças, alertas - deve-se juntar iniciativas públicas e privadas para melhorar a qualidade do motorista e das estradas. A atrofia da verba pública destinada à educação dos condutores de veículos indica que o Planalto cultiva outras prioridades. Enquanto isso, amplia-se o abismo entre o tráfego nacional e a civilidade necessária. Dos R$ 160 milhões previstos este ano, só um terço chegou ao programa Segurança e Educação de Trânsito. Os dois terços pendentes foram represados para engordar o superávit federal. Útil à contabilidade do governo, a manobra pega a contramão da responsabilidade de pavimentar a formação dos motoristas. Revela-se, ainda, barbeiragem estratégica: os custos com a imprudência - responsável por 90% das colisões - superam R$ 5 bilhões, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.
A privatização de rodovias, reforçada este ano com novo lote e novas regras, insinua-se uma esperança para dirimir o apagão na infra-estrutura de transportes. Mas o processo, convém lembrar, requer acompanhamento rigoroso.
Fonte: JB Online