Ives Gandra Martins, professor de direito, advogado e escritor
"Inteligência de pulga,
Num corpo de paquiderme,
Cabeça que o povo julga
Ter a cultura de um verme"
(dos alfarrábios de um velho poeta)
O incidente que o histriônico presidente venezuelano provocou, por sua notória falta de compostura em frente aos microfones, e que levou o civilizado e elegante rei espanhol a sugerir que se calasse, demonstra o quão despreparadas estão algumas das lideranças continentais.
O irrequieto chefe venezuelano tem por hábito julgar os líderes dos outros países com incrível virulência, na proporção inversa de sua notória ignorância, sendo que suas reconhecidas leviandades vocabulares, a que Clóvis Rossi denomina de "bocarota", conturbam cenários de conversação internacional que deveriam ser de diálogo e de entendimento entre as nações.
Nada obstante o presidente Lula, com sua notável capacidade de apaziguador - lembrada inclusive pela presidente chilena - ter procurado reduzir o incidente, atribuindo, para espanto geral dos repórteres que o entrevistavam, ao destemperado tiranete o perfil de democrata, o certo é que alguns países da América Latina hoje vivem conturbações internas. Chávez, apesar dos métodos intimidatórios de sua polícia, não consegue calar empresários e estudantes. Morales vive permanentes revoltas intestinas e Correa começa a experimentar seus primeiros dissabores.
É que os três, apesar de eleitos pela manipulação das massas, são fortes candidatos a ditadores, num regime presidencialista que é aquele que mais tem propiciado, na história da América, a gangorra entre períodos de democracias instáveis e ditaduras violentas, nestes quase 200 anos de fracassada experiência.
O presidente Lula, ao assemelhar os sistemas de governo parlamentar e presidencial, cometeu, não só cientificamente, mas pragmaticamente, imperdoável equívoco. Os países realmente democráticos são parlamentares. Mesmo os Estados Unidos são quase um presidencialismo parlamentar, onde não viscejam as práticas autoritárias.
O presidencialismo é o governo da "irresponsabilidade a prazo certo". O parlamentarismo da "responsabilidade a prazo incerto". Neste, o chefe de Estado controla o Parlamento, o Parlamento controla o chefe de governo e o chefe de governo, se não for responsável, volta cedo para casa, sem traumas para a nação, pelos próprios mecanismos do sistema. O eleitor controla tudo e o próprio Parlamento pode ser desfeito, se derrubar sucessivamente governos. Uma burocracia profissionalizada, permite, nas mudanças de governo, a estabilidade nas transições, evita a proliferação de não concursados, de amigos do rei, mancha permanente dos sistemas presidenciais latino-americanos, a meu ver, ditaduras, com o direito de o eleitor escolher o ditador.
O certo é que um Chávez, um Morales, um Corrêa não existiriam num regime parlamentar democrático. Só sobrevivem, graças ao presidencialismo. No parlamentarismo, só os responsáveis permanecem por muito tempo, como Thatcher. No presidencialismo, os irresponsáveis demagogos podem permanecer no poder por longo período.
Os líderes continentais têm muito que aprender, não sendo despiciendo que estudem um pouco história e os contextos políticos de outras nações. Por enquanto, brotam, como cogumelos, líderes despreparados e prepotentes.