Vasconcelo Quadros Brasília
Há quatro meses no cargo, o diretor da Polícia Federal, Luiz Fernando Corrêa, afirma em entrevista ao JB, que a luta contra a corrupção é irreversível, entrou na rotina policial, e garante que, doa a quem doer, as investigações e Polícia Federal "não estão submetidas ao controle político". Corrêa diz que, além de uma reestruturação que acompanhe a dinâmica da economia do Brasil, a PF de 2022, cujo plano será entregue ao ministro da Justiça, Tarso Genro, no dia 28 de março, vai estar voltada para a Amazônia como novo cenário de enfrentamento. A idéia é aumentar sua presença na região para combater crimes como exploração ilegal de madeira e riquezas do subsolo, grilagem de terra, biopirataria, pistolagem, interferência em áreas indígenas, contrabando e tráfico de drogas - mazelas para as quais o Estado brasileiro sempre esteve de costas.
Corrêa diz que ao permitir que se mudasse a cultura no combate à corrupção, Lula abriu um precedente saudável: "Acabou a impunidade", avisa, amparado em pesquisas que apontam apoio de 75% da população e no resultado das 188 operações de impacto realizadas este ano. A seguir os principais trechos da entrevista:
O que falta à PF de 2022?
- Nos preocupamos historicamente com a atividade fim. Hoje o déficit está na gestão desta estrutura que foi nascendo em função da dinâmica do crime. Depois da improvisação veio a profissionalização e atingimos aí, eu diria, uma maturidade institucional como órgão de investigação. Mas há o déficit porque a máquina cresceu e precisa ter um comando. Fomos formados para investigar e não para gerir. Vamos introduzir agora essa nova qualidade nos quadros.
Há um modelo de polícia a ser seguido?
- Não vamos reproduzir modelos. Hoje está em andamento um processo de prospecção de cenário e de diagnósticos da instituição - quem somos, o que fazemos e para onde vamos. É a maturidade. Percebemos que a polícia está boa na atividade fim, mas queremos cuidar do balcão para dentro, também, para garantir o sucesso externo e evoluir. Estamos fazendo um diagnóstico para tirar um retrato mais autêntico possível da polícia e em cima dele fazer as projeções de cenário para o futuro e aí, sim, criar uma política institucional de gestão que sustentar essa máquina funcionando. É preciso criar indicadores para a medição de eficiência, atualizar, fazer as correções necessárias para não depender do intuitivo ou de um diretor iluminado que resolva tudo sozinho. O dirigente deve seguir uma cartilha. E nós queremos escrever essa cartilha. Hoje nós temos doutrina como investigação. Agora nós queremos criar doutrina da gestão.
O que vem neste manual?
- Ele vem para otimizar o trabalho em grandes operações, mas também na rotina. Um agente quando entrar em algum lugar para fazer uma busca, deve estar com a cabeça aberta. Entrou para apreender droga, mas tropeçou num extrato bancário, que não despreze. Tem de produzir prova dentro da maior legalidade, mas que fique demonstrado, para confortar o Ministério Público e o juiz na hora de julgar. Foi-se o tempo do bangue-bangue, do pé na porta, das armas expostas.
Um bom policial pode ser um bom gestor?
- Somos obrigados a criar um modelo de gestão. Diz a Constituição que a polícia é dirigida por um delegado de carreira. No meu curso superior já foi incluído gestão em Segurança Pública. Vamos colocar isso em prática. E aí nós vamos montar a estrutura de gestão necessária. O quadro administrativo, que perfil tem que ter? Quantos administrativos precisamos para cada policial? Quando um policial se movimenta, quantas ondas administrativas ele provoca? É essa medição que estamos fazendo que vai definir. Por exemplo, anunciamos 3 mil vagas em 2009 para o administrativo. O número a gente sabe. Agora, com esse planejamento, nós vamos definir, desses 3 mil, qual é o perfil.
Esses policiais já entram com novo perfil?
- Vamos selecionar em função do planejamento. Quantos de nível superior? Mas em que nível superior? Administração de empresas, gestão de pessoal, tecnologia da informação? Precisamos ter os quadros técnicos para sustentar essa política de gestão.
Quando esta prospecção estará pronta?
- O prazo que nos impusemos é 28 de março. Nessa data vamos apresentar para o ministro (da Justiça, Tarso Genro) qual é conceito de polícia, o que nós imaginamos que vai acontecer em 2022. Para isso, estamos ouvindo o público interno, especialistas de várias áreas de conhecimento e a sociedade em geral. Não posso dizer agora o que vai ter porque estamos na fase de prospecção. Não é possível fazer uma previsão sobre o que vai acontecer, mas trabalharmos em cima de tendências e cenários.
É possível antecipar algumas dessas tendências?
- A PF internamente está consolidada, tem um papel fundamental no amadurecimento da sociedade e não podemos recuar. Temos de cumprir metas para continuar sendo uma polícia de referência e acompanhar a dinâmica do crime organizado. Dia 28 de março vamos ter a concepção, a idéia e as ferramentas. Será um software de gestão, atualizado dia-a-dia. Ninguém vai reinventar a roda. A PF se tornou referência. Pesquisas mostram que 75% da população aprovam a polícia.
De onde vem essa pesquisa?
- Da Associação dos Magistrados do Brasil, que não difere de outras. Hoje a PF está na memória das classes C e D, onde não chegava. Ela ganhou essa projeção em função de ter atacado setores que eram "inatacáveis".
Isso significa combate à corrupção intensificado?
- É como o combate às drogas, que foi a porta de entrada, foi uma escola de formação porque era um compromisso internacional. Me incluo nisso porque, como agente, fui treinado pelo FBI e tivemos treinamento com alemães. Depois das drogas passamos a investigar o patrimônio e as finanças. Quem lava dinheiro é o tráfico, o contrabando e a corrupção. O Estado também se organizou com órgãos de controle. Antigamente era só aquela auditoria de prestação de contas. Nunca se perguntava: o desvio foi para onde? A Receita Federal olhava só para o aspecto fiscal. Hoje o Estado quer saber de onde saiu o dinheiro. Isso tudo produziu conhecimentos que depois a polícia também aproveitou.
Por que não se combatia?
- O Estado não demonstrava capacidade e às vezes nem muito interesse. E não tinha fôlego para isso. São essas coisas, de incapacidade frente a determinadas classes. Hoje os nossos quadros são selecionadíssimos, são pessoas que têm formação de diferentes classes sociais, inclusive trazem a cultura dessas classes sociais. O combate à corrupção hoje está na rotina.
Como melhorar a investigação?
- É possível fazer mais em relação aos métodos usados para dissimular riqueza. Quando o Estado se aprimora na repressão, eles (os criminosos ) vão buscar alternativas. Na medida em que o Estado decidiu investir na Polícia Federal, despartidarizar, tirar qualquer influência política, dar autonomia e dar as condições, deu no que deu. Isso é irreversível. Ninguém mais mexe.
O senhor tem a garantia de que a PF não sofrerá interferência política?
- Ah, ninguém consegue. Primeiro, a Constituição não permite. Pode colocar um político aqui (na direção), mas ele vai ser uma rainha da Inglaterra. Para dirigir a máquina tem que ter história. Meu papel é blindá-la de qualquer ingerência.
O senhor acha que os governos resistem a tanta independência?
- Resistem, porque os governos eleitos daqui para a frente vão ter que reproduzir (o que a sociedade pensa). Isso não é uma coisa da Polícia Federal, isso é da sociedade brasileira. Isso é amadurecimento político.
A PF não é mais, como já foi no passado, controlável?
- Não sei te dizer porque no passado eu nunca estive na cúpula. Jamais senti, na outra ponta, qualquer orientação política. A instituição não permite. Assim como ela não concorda com desvio de conduta de colegas, ela não desvia uma investigação para proteger, tanto é que se prende policiais.
A Polícia Federal também não comporta mais corpo estranho no comando?
- Não. Até porque a questão hoje é legal, está na própria Constituição e está garantido lá que é dirigida por delegado de carreira. O grupo não iria aceitar um corpo estranho.
Em relação ao combate à corrupção, houve uma declaração de que se houvessem instrumentos efetivos, não precisava da CPMF.
- Quem disse isso foi o superintendente do Maranhão. Não sei com base em que ele falou isso. Houve algumas matérias que tentaram dar conotação de que as nossas operações eram arrecadatórias. Não. Esse é um efeito colateral positivo. Nós atuamos em cima de fatos criminosos. Se o fato é desvio de verba pública ou sonegação, lógico que isso tem um impacto na receita. Nós temos números. Em apenas cinco operações identificou-se mais de R$ 3 bilhões em fraudes. O nosso orçamento foi de R$ 3,4 bilhões, portanto cinco operações praticamente suportaram o nosso orçamento do ano. Essa polícia está barata para o povo.
A PF está estruturada para o saneamento do Estado?
- O que me tranqüiliza hoje é que temos ferramentas para detectar e investigar. Antes era uma loteria, só se tropeçássemos com algum desvio de conduta ou de recursos.
Qual a relação do agente do Estado com a corrupção?
- O crime de corrupção tem entre os requisitos a cooptação de agentes públicos. A corrupção não é mais romântica; está a serviço de organizações criminosas. Hoje o crime organizado está preparando pessoas para fazer concurso público. É só ver as fraudes em concursos. Temos de acompanhar a dinâmica do crime.
O grampo e a prisão temporária são imprescindíveis?
- São ferramentas fundamentais. O próprio manual de procedimentos tem o antes, o durante e o depois da operação. A idéia é que essas fases sejam feitas por equipes distintas, mas com sinergia. É uma cadeia de produção de provas.
E as prisões temporárias?
- A prisão temporária não é uma necessidade da polícia, é uma necessidade do processo.
Não gera a sensação polícia prende e a justiça solta?
- Gera, mas quem transmite isso são vocês da imprensa. A nossa cultura ainda está evoluindo. O cidadão ainda não identifica bem os papéis da polícia, MP e Justiça. É preciso um caráter pedagógico para explicar que a prisão temporária ou preventiva tem um papel dentro do processo, na fase de produção de provas. Cumprido isso essa prisão não tem mais razão de ser. É preciso informar a sociedade sobre a nossa legislação.
Fonte: JB Online