Vasconcelo Quadros e Luiz Orlando Carneiro BRASÍLIA
Novo presidente da mais representativa entidade do judiciário, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Mozart Valadares, quer a entidade numa cruzada pela ética no serviço público e na política, no combate à corrupção e na revisão da legislação que pode tornar a justiça brasileira mais ágil.
O juiz quer ainda, um judiciário mais transparente, e afirma que um juiz deve ter preocupação social. Sem ilusões, acha que o Estado perdeu o controle sobre os presídios. Em casos de pequenos furtos diz que o suspeito nem deveria ser preso. Valadares afirma, no entanto, que ao aceitar a denúncia contra os 40 do mensalão, o Supremo Tribunal Federal promoveu um salto histórico na cultura jurídica. A seguir, os principais trechos da entrevista ao JB.
Tivemos um ano em que o Congresso ficou praticamente afogado por escândalos. A continuidade da reforma do judiciário foi prejudicada?
- A reforma da legislação infraconstitucional foi prejudicada por essa paralisia do Legislativo. Poderíamos atacar o problema da morosidade da prestação jurisdicional. Levamos ao Congresso várias propostas visando à agilização processual. Uma delas é a de mudar a prevalência, no recurso de apelação, depois de proferida a primeira sentença, o que beneficia quem já perdeu a questão, na primeira instância. Isso quando se sabe que 80% dessas sentenças são confirmadas nos tribunais superiores. Outra era a da redução dos prazos que são oferecidos à Fazenda Pública, à União e aos municípios que são quatro vezes superiores aos prazos dados ao cidadão comum. Isso retarda muito o andamento do processo. São questões desse tipo que podem agilizar o processo, facilitar e melhorar a prestação jurisdicional
De que forma a entidade pode entrar no debate sobre ética e corrupção?
- Vamos chamar a sociedade para discutir a questão ética no serviço público, na relação entre os três poderes da República. A AMB vem dando uma demonstração de que a magistratura brasileira está disposta a colaborar para tornar este país menos desigual, mais justo e menos corrupto. Nós percorremos o Brasil conscientizando a população da importância de participar ativamente do processo eleitoral. Queremos é conscientizar a população de que só através do voto poderemos melhorar a representação política do país. É também o juiz estar mais atento, no seu dia de trabalho, àqueles processos de improbidade administrativa, de corrupção, julgando com mais rapidez, dando uma resposta para que tire da sociedade esse sentimento de impunidade.
A polícia se queixa de que grande parte do judiciário recusa pedidos de seqüestro de bens de origem ilícita.
- Pode ser que uma parte recuse. Agora, nós vivemos num estado democrático de direito, onde temos de obedecer às leis, e não podemos, a título de fazer justiça, atropelar o procedimento. Precisamos fazer uma reflexão sobre a legislação, se essa legislação facilita ou dificulta que nós consigamos atingir aquele que cometeu um crime. Nós poderíamos diminuir o formalismo, a quantidade de recursos existentes para questionar uma decisão judicial. Precisamos acabar com essa cultura de que quantidade de recursos é sinônimo de ampla defesa. Temos uma legislação que dá margem à eternização do processo.
Onde acontece?
- Durante a execução da pena, no Tribunal do Júri. Ora, se o júri popular é soberano, como é que o júri condena e você sai solto dali para responder ao recurso em liberdade? Isso fere a soberania do júri, no entendimento de algumas pessoas. O réu deveria continuar preso até que seu recurso fosse julgado.
Em casos de corrupção, o senhor é favorável a, por exemplo, que o acusado demonstre a origem lícita dos bens?
- Acho que o problema reside mesmo no formalismo da legislação. Nós poderíamos ter uma legislação que permitisse que se chegasse ao final com uma certa celeridade. A AMB promoveu este ano uma pesquisa sobre a credibilidade das instituições brasileiras. E o segmento do Judiciário que obteve maior índice de confiabilidade (72%) foi a dos juizados especiais. Por quê? Pela agilidade e pela informalidade. Na maioria das causas, não há necessidade nem de advogado. Esse é um bom parâmetro para o judiciário.
O que é possível fazer para evitar o que ocorreu no Pará, onde uma juíza não levou em conta que estava encarcerando uma menor de idade no meio de 20 homens?
- Não podemos esconder a verdade: o Estado perdeu o controle das suas prisões. É o estado que tem a obrigação da administração dos presídios, das cadeias públicas. Há um ambiente propício para que esse tipo de escândalo ocorra, porque a administração do Estado nas penitenciárias e nos presídios brasileiros é apenas formal.
Seria então o caso de o juiz pensar duas vezes antes de mandar uma pessoa para a cadeia?
- Com certeza. Nós só podemos mandar para a cadeia quaem eferece efetivamente risco à sociedade. Quem pratica pequenos furtos, pequenos delitos, não pode ficar na companhia de marginais de alta periculosidade. Isso passa, também, por uma questão cultural dos juízes. Não é distribuindo cadeia para todos que cometem delitos que vamos melhorar a sociedade. Pelo contrário, a reincidência de quem vai para a penitenciária é bem maior do que daquele que presta um bom serviço à sociedade, que presta um serviço pagando.
Isso pode ser mudado já ?
- Depende da dimensão do furto e em que condições ele aconteceu. O que concordo e que já há uma mentalidade de alguns juízes brasileiros de que a cadeia não é remédio para combater nenhum desvio de comportamento. Nós precisamos, efetivamente, identificar aquele sujeito que cometeu um delito, se ele efetivamente coloca em risco a paz social. Pessoas que furtam, por exemplo, um xampu num supermercado passam, às vezes, quatro anos no xadrez.
O que a AMB acha do grampo telefônico?
- Deve ser feito com as maiores cautelas possíveis e em casos graves. Quem for executar esse serviço, não pode ultrapassar os limites da decisão judicial. A concessão de uma liminar, a quebra de um sigilo são medidas excepcionais, não são regras. Há segmentos policiais que acham que nem precisaria autorização judicial. Isso é um perigo, um risco muito grande.
A prisão temporária para investigar é eficiente?
- Não podemos nos posicionar contrários ao instituto da preventiva e da provisória porque não é antecipação de pena.
Quando o acusado é solto uma semana depois, não fica a sensação polícia prende, justiça solta?
- Não. É a justiça quem prende e a é a justiça quem solta. A polícia cumpre uma ordem judicial. E se a polícia prende e, em alguns casos, a Justiça solta, é porque a prisão foi ilegal. Nós vivemos num estado democrático de direito.
O que mudou de importante no judiciário?
- Primeiro, conseguimos abolir o nepotismo. Pode haver um caso ou outro de que não se tomou conhecimento. O segundo ponto é que toda a movimentação da carreira do magistrado hoje é através do voto aberto e fundamentado. Ou seja, o apadrinhamento, o parentesco, a amizade de um juiz com alguns desembargadores foram abolidos. E o terceiro ponto foi a questão salarial. Temos um teto, que é a remuneração dos ministros do Supremo Tribunal Federal, R$ 24.500. Nenhum magistrado brasileiro, agregando qualquer vantagem financeira, pode ultrapassar os R$ 24.500.
O Judiciário está mais transparente?
- Fala-se muito que o juiz tem que estar muito protegido da
pressão externa do poder econômico, do poder político. Mas nós precisamos também ter muita independência internamente. E isso passa por uma democratização do Poder Judiciário. Principalmente nos tribunais regionais federais e nos tribunais de Justiça. O sistema de chegar à presidência de um tribunal desses, que é um cargo fundamental, de extrema importância para o funcionamento do poder, passa por não assumir nenhum compromisso. Por quê? Porque a nossa legislação ainda não admite. Os três mais antigos têm que fazer parte da mesa diretora. Então se observa só o critério da antiguidade. Você chega à presidência de um tribunal de Justiça como se fosse um presente de fim de carreira. Você não precisa dizer o que pensa sobre maioridade penal, não precisa dizer o que você pensa sobre a questão do planejamento e da gestão do Poder Judiciário, sobre a aplicação do orçamento do Poder Judiciário. Você não identifica as prioridades da sua gestão. Quer dizer, ele vai administrar um Poder Judiciário sem assumir qualquer tipo de compromisso. É preciso que a magistratura sinta-se co-responsável pela administração do Judiciário.
O que o senhor achou a decisão do STF sobre o mensalão?
- Restaurou a crença na sociedade de que todos são iguais perante a lei. Eram pessoas que você jamais imaginaria num passado recente, que iriam ser atingidas pela lei, que seria atingida por uma decisão judicial. Isso renovou a crença de boa parte da sociedade no Judiciário brasileiro.
O senhor acredita que eles serão condenados?
- Acho que o Supremo vai dar uma resposta no mérito da questão. Acho que todos serão julgados, aqueles que forem encontradas culpas, serão punidos, outros que não forem encontradas, serão absolvidos.Já foi um grande avanço e uma demonstração de que não há mais espaço para a impunidade, venha de onde vier o crime.
Qual a plataforma da AMB na sua gestão?
- Nós temos dois pontos que queremos dar uma prioridade, que é o novo Estatuto da Magistratura, que está no Supremo Tribunal Federal, que é de iniciativa privativa do Supremo. É o Estatuto que define os direitos e deveres de todos os magistrados. Precisamos desse Estatuto. E a questão de discutir em profundidade a gestão do planejamento e do orçamento, porque isso repercute diretamente na prestação dos serviços judiciais, na agilidade do judiciário. E também isso envolve a questão da legislação que pode tornar o processo mais ágil, com melhor resposta para os usuários do Poder Judiciário.
Que perfil teria um novo juiz?
- O juiz antigo é de um perfil ultrapassado. A sociedade não aceita mais que o juiz, ao proferir uma sentença, ao realizar uma audiência, cumpriu com seu dever e encerrou a sua obrigação. Não. Esse juiz tem que ter uma visão social, tem que ter em mente que é responsável, que pode dar uma grande contribuição para amenizar os problemas sociais deste país.
Fonte: JB Online