segunda-feira, novembro 12, 2007

Walter Maierovitch: combate ao crime virou espetáculo


Ex-secretário nacional Antidrogas diz que polícia brasileira precisa de especialização
Fernando Sampaio
O combate ao crime organizado no Brasil virou "um espetáculo", principalmente no Rio de Janeiro, onde "o populismo" é a grande marca do governador Sérgio Cabral Filho (PMDB), sem "resultado nenhum". A crítica é do juiz Walter Maierovitch, ex-secretário nacional Antidrogas e um estudioso do crime organizado. Segundo ele, há grande risco de execuções sumárias nas ações da polícia no Rio.
"Se vê, por exemplo, pessoas que fogem, como se viu na execução por helicóptero (Favela da Coréia), e dentro das favelas uma população pobre que fica exatamente no meio do fogo cruzado, com todos os riscos".
Walter Maierovitch diz que, enquanto na Itália se tem especialização em antimáfias, anticrime organizado, no Brasil ocorre o contrário. "Nós já temos operações espetaculares que acontecem no Rio de Janeiro, mas tem também policiais que avisam (aos bandidos) antes. Quer dizer, se está fazendo todo esse espetáculo sem ter tido o cuidado de limpar as polícias ou de especializá-las, no sentido de criar determinados núcleos fechados e incorruptíveis", ressalta.
TRIBUNA DA IMPRENSA - Como o senhor analisa a questão do crime organizado no Brasil?
WALTER MAIEROVITCH - A questão do crime organizado no Brasil não pode ser vista da maneira como está sendo vista. Existe hoje uma visão míope. Digo isso porque a visão não passa das favelas, dos morros, quando a verdadeira visão do crime organizado deve ser feita em face das redes transnacionais, sem fronteiras, que fazem o abastecimento de armas e drogas.
Por exemplo, é como se faz aí no Rio de Janeiro, nesse combate, nessa militarizada guerra às drogas, ao crime organizado, se está combatendo simplesmente uma situação, um efeito, e não a causa. A causa está mais adiante.
É por isso que essas operações militarizadas não funcionam, o que é que a gente consegue enxergar? Que nessas operações pode se eliminar um chefe, mas no dia seguinte está lá um outro. Não se elimina o controle de território e nem o controle social pelo crime organizado. Tanto isso é verdade que as operações do atual governador do Rio de Janeiro (Sérgio Cabral Filho) são de confronto, de guerra, e no dia seguinte a polícia não está lá para controlar o território e retomar o controle social.
Então, simplesmente, o que se faz hoje no Rio de Janeiro é enxugar o gelo. Por quê? Porque são feitas ações espetaculares, e resultados em termos de resolver o problema, nenhum. Insisto muito no ponto de se fazer o controle do fluxo, do capital do crime organizado. Hoje no mundo inteiro, e não sou eu que digo, mas todos os especialistas, enquanto não se desfalcar, atacar o bolso do crime organizado, o resultado vai ser sempre péssimo.
Por quê? Porque uma organização criminosa sem dinheiro não funciona. Ela não vai ter nada para oferecer, não vai ter como comprar armas. Então, tudo isso se dá não por operações ao estilo norte-americano das guerras às drogas, não se faz por estupidez de um Plano Colômbia, que não deu certo.
Também não se faz o que os Estados Unidos estão fazendo no México, apoiando, e mandaram US$ 1 bilhão para o presidente mexicano. E aí essas operações de massacres que vêm ocorrendo, desde que o Felipe Calderón assumiu a presidência.
Por quê? Porque essa doutrina do enfrentamento, da guerra, absolutamente equivocada, ela não despluga as organizações criminosas das redes internacionais de abastecimento. Então, se a gente imaginar que hoje o mercado das drogas ilícitas tem R$ 300 bilhões dentro dos sistemas financeiro e bancário, vamos ver que não basta fazer guerra para pegar bandos, e com o risco de se atingir inocentes. Então, isso tudo é de uma irresponsabilidade sem dono.
E mais ainda: o cuidado de cuidar do mais adiante. Se verifica, simplesmente, operação de guerra, quando hoje, modernamente, se faz com as máfias, com a Cosa Nostra, com a Camorra, que hoje são potências financeiras, simplesmente uma infiltração. Mas não é uma infiltração policial não.
Hoje, uma pessoa com conhecimento de finanças, ela se infiltra na organização criminosa, para oferecer serviços de lavagem de dinheiro, entrega de drogas, tudo o que o crime organizado planetário faz. E com isso o que acontece numa organização criminosa? Essa pessoa que se infiltra vai tratar da questão econômico-financeira e, evidentemente, é com o chefe e não é com o Zé da esquina.
Isso, no Rio de Janeiro, não ocorre. Se fala muito em inteligência, inteligência, que não passa de escuta telefônica de infiltração, e de ouvir de moradores. Então, não se faz nada, a não ser um espetáculo.
O que está faltando para intensificar o combate à lavagem de dinheiro e ao crime organizado?
No Brasil está faltando tudo. Basta ver que tem um orgão que se chama Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), que tem como grande resultado ter descoberto movimentação suspeita na conta do jardineiro do caso Palocci (ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci). Veja bem a situação: existe o crime organizado planetário. Este é em rede. Existem redes de abastecimento de armas, de drogas e de contrafação, a indústria da contrafação, que está na mão do crime organizado.
Essa indústria aproveita quem? Aproveita essa doutrina capitalista da informalidade, que é resultado do neoliberalismo. Então, essa informalidade é que absorve, por exemplo, vendedores de bolsas falsas, de relógios, e cada vez mais essas mercadorias estão semelhantes ao original e de melhor qualidade. Para isso existe o quê? O crime organizado também tem a mão-de-obra na China. Também tem o controle de portos para recebimento das mercadorias. Tem todo esse quadro que hoje é real, é existente.
Quem quiser saber dele, por exemplo, basta ler o livro chamado "Gomorra", do Roberto Saliano, numa reflexão sobre a Camorra, que é a máfia hoje das contrafações. É a máfia que está ligada à mão-de-obra chinesa, ao produto barato, em razão desse mercado, desse guarda-chuva que se vende na esquina, até marcas famosas de bolsas. É o da falsificação.
Então hoje o que se tem é uma economia muito potente da criminalidade organizada. E se atuar no morro, na favela, diretamente com guerra, com relação a bandos, isso não adianta absolutamente nada.
Se o Brasil quisesse, por exemplo, cuidar do problema das drogas, ele deveria começar, em primeiro lugar, a cuidar do controle dos insumos químicos, porque sem insumo químico não há refino de droga. Colômbia, Peru e Bolívia, que são grandes fornecedores, não têm indústria química. Eles só têm a matéria prima, que é a folha de coca. E com a folha de coca não se tira o cloridrato de cocaína.
Então, com o que se faz hoje não vai se chegar a nenhum resultado positivo?
Com relação a isso, vira um espetáculo, o populismo, que é a grande marca do governador do Rio de Janeiro, e resultado nenhum. E, mais do que isso, o grande risco de execuções sumárias, por exemplo, de pessoas que fogem, como se viu na execução por helicóptero. Se vê uma população pobre dentro das favelas que fica exatamente no meio do fogo cruzado, com todos os riscos, e a tragédia que aconteceu com o menino (morto por bala perdida na Favela da Coréia). A troco do que, se no dia seguinte nem tropa e policiamento tinha lá na Coréia.
Se formos analisar as outras operações, perguntamos: mudou alguma coisa na Rocinha, no Complexo do Alemão, onde foram feitas operações? Então, se está hoje na era do espetáculo da Copa do Mundo, onde a polícia, o governador fazem tudo para que a população acredite, como a população vai ter que acreditar, que tudo será feito na Copa do Mundo sem que ocorra corrupção, superfaturamento, etc.
Quais os grandes males da corrupção no País.
Ela é generalizada, porque também é uma ingenuidade achar que o crime organizado não precisa de políticos. Basta ver, por exemplo, a jogatina eletrônica, que resolveu submergir, atualmente, mas conseguiu tirar do Congresso Nacional uma CPI que foi pífia, com relação a isso. Uma CPI que nem percebeu que o jogo eletrônico de azar começou com a lavagem de dinheiro da venda de cocaína paraguaia, por organizações mafiosas. Nem isso enxergaram. E o que se tem hoje? Já se tem um processo de legalização em andamento.
Para se ter idéia do poder corruptor, a maior fornecedora mundial de equipamentos para jogos eletrônicos de azar, que é espanhola, teve o seu presidente preso nos Estados Unidos, exatamente porque ele corrompia os fiscalizadores de máquinas de cassinos. Ele foi preso em flagrante, pagou a maior indenização da história do direito norte-americano. Então, o que se tem aqui no Brasil? Tem toda uma ligação, onde hoje tem crime organizado, uma burguesia mafiosa. Ela é uma burguesia de Marcos Valério, dos donos da Gualtama, uma burguesia que consegue captar e cooptar o corruptor, e com isso tem caixa dois de partidos, e toda uma vinculação com a criminalidade. Uma burguesia mafiosa no território nacional, simplesmente impune.
Como o senhor analisa a atuação do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf)?
No governo Fernando Henrique Cardoso, ele (Coaf) conseguiu suspeitar de 569 casos de lavagem de dinheiro. E olha a atribuição desse conselho: ele tem atribuição para vigiar os bancos, controlar todo o mercado imobiliário - registros de imóveis, compra e venda de imóveis -, o mercado de arte e o mercado de factories que se espalha pelo Brasil inteiro e que não tem controle nenhum. O Coaf tem atribuição ainda de controlar o mercado de pedras preciosas, a Bolsa de Mercadorias e Futuros, loterias.
Agora veja, 569 suspeitas em quatro anos no último ano do governo Fernando Henrique Cardoso, uma piada, piada que se estende agora no primeiro e no início do segundo mandato do governo Lula. Por que piada? Eu pergunto: qual a atualidade do Coaf até hoje, o que ele conseguiu descobrir? Nem o grande operador do cartel do Vale Norte, que é esse Abadia (Juan Carlos Ramirez Abadia, traficante colombiano), que fez grandes compras, usou "laranjas" para a compra de imóveis... Nem isso foi detectado pelo Coaf. Quem detectou foi a DEA americana (agência de repressão às drogas).
A introdução da videoconferência no País. Qual a sua opinião sobre isso?
Isso, o Instituto Brasileiro Giovani Falcone foi o primeiro a levantar a bandeira favorável. Por quê? Porque acaba em primeiro lugar com o turismo judiciário. Basta ver, por exemplo, essas viagens de avião do Fernandinho Beira-Mar, etc. No turismo judiciário, o preso toda vez que sai do presídio, ele passa recados, informações à organização criminosa. Combater o crime organizado significa cortar a comunicação dos integrantes de ponta da criminalidade organizada com a sua organização.
Significa que a videoconferência, e está demonstrado na Itália, descarta aquela pessoa que é presa e colocada em regime especial. Agora, o que é absurdo, e toda hora está sendo falada essa bobagem, no sentido de que o juiz precisa ver pessoalmente a cara do réu. Basta ver a ignorância. Quem fala isso não passaria no exame da Ordem dos Advogados do Brasil. E o pior é que é a própria Ordem que fala isso. Por quê? Porque no Brasil não existe na lei processual, o princípio da identidade física do juiz.
O que quer dizer isso? Quer dizer que o juiz que vai dar sentença, condenar ou absolver, não é o mesmo juiz que fez o interrogatório. Então, que conversa mole é essa, que absurdo legal é esse de que o juiz precisa olhar a cara do réu, se não é ele nem quem vai sentenciar!
Na sua opinião, quais os principais gargalos e obstáculos do Judiciário?
Em primeiro lugar, o Judiciário trabalha mal, porque trabalha com instrumento que só tem aqui no Brasil. O Judiciário e o Ministério Público só tem aqui no Brasil, o que se chama inquérito policial. Inquérito policial significa: o delegado de polícia colhe a prova, que precisa ser toda repetida em juízo, e se uma testemunha falar "A" no inquérito, e falar "B" em juízo, o que ela falou já não interessa mais nada e tudo tem que ser repetido e repisado.
E o que significa? Que as pessoas são pressionadas no que dizem no inquérito e depois não confirmam em juízo. Então, o Brasil tem esse problema, que é o da polícia judiciária. E o problema maior é o que a gente tem hoje: polícias sem controle, polícias corruptas. Para se resolver esse tipo de problema de corrupção, por exemplo, há a necessidade de se especializar e se separar. A Itália, por exemplo, tem toda uma direção de investigação antimáfias, anticrime organizado, para tentar limpar as polícias, para estabelecer órgãos com maior controle.
No Brasil, o que a gente tem? Tem operações espetaculares que acontecem aí no Rio de Janeiro, mas tem também policiais que avisam antes (aos bandidos). Quer dizer, se está fazendo todo esse espetáculo, sem ter tido o cuidado de limpar as polícias, ou de especializá-las, no sentido de criar determinados núcleos fechados e incorruptíveis.
Como analisar o envolvimento de membros do Poder Judiciário com o crime organizado?
Isso não é de se espantar, porque o crime organizado evidentemente tem o poder de cooptação, graças a sua riqueza, aos seus enormes recursos financeiros. O que é lamentável é que até agora os processos são morosos e, pior do que isso, num dos casos de corrupção no Superior Tribunal de Justiça (STJ) se iniciou um processo apuratório contra o ministro Vicente Leal, ministro esse que foi acusado de vender liminares para narcotraficantes, e o que aconteceu com relação a esse processo disciplinar?
Ele foi simplesmente arquivado, porque o então presidente do STJ, ministro Edson Vidigal, de triste memória, conseguiu para o Vicente Leal a sua aposentadoria. Então, o processo administrativo perdeu o objetivo, e ele foi aposentado, sem nenhuma apuração, evidentemente com o prêmio da aposentadoria, isso na hipótese dele ter sido culpado.
O Brasil se tornou o paraíso para bandidos de toda parte do mundo. Por que isso ocorre?
O Brasil é praça atraente para lavagem de dinheiro, reciclagem de capitais. É a terra da impunidade, onde basta ver, por exemplo, que criminosos comuns julgados por crimes comuns e covardes, até conseguem aqui o rótulo no sentido de serem vistos como condenados por crime de opinião, como é o caso do Cesare Battisti - ex-integrante de um grupo de esquerda e condenado na Itália por assassinato. Ele fugiu para o Brasil porque sabia que seria extraditado na França. Ele foi preso no Rio de Janeiro tomando água de coco na praia.
É um assassino comum, impiedoso, que matou pessoas pelas costas. Estava preso por furto e roubo e se deu mal com um agente penitenciário. Quando saiu da cadeia, matou o agente. Ele está sendo visto, equivocadamente, como brigadista, das Brigadas Vermelhas da Itália. Ele nunca foi das Brigadas Vermelhas italianas. O que acontece no Brasil é uma desinformação total. Se tiver delito de opinião, político, o melhor lugar para ele estar é na França.
E ele fugiu da França para cá, para evitar a extradição que o governo italiano pediu, porque sabe que aqui tem impunidade. Então, impunidade vale para tudo. Nós temos uma Justiça lenta, que agora, pelo Supremo Tribunal Federal, adquiriu o papel de legislador. Começa a atuar em casuísmos e atuar como legislador. O que se vê aqui é, seguramente, todos os componentes de uma república de bananas, com Copa do Mundo, com porta aberta para a corrupção e superfaturamento.
Como classificar o Primeiro Comando da Capital (PCC) e outras facções criminosas?
Não são meras quadrilhas e bandos. São organizações pré-mafiosas, porque elas têm controle de território e social. Isso é o que classifica como organização pré-máfia. Não é máfia ainda, porque não consegue administrar de forma empresarial a sua economia. Tem pessoas que não têm ainda a visão mafiosa de entrar em mercados abertos, como organizações potentíssimas, como a Camorra napolitana, que hoje emprega mão-de-obra chinesa baratíssima, e que tem, por exemplo, o Paraguai como entreposto, como tem entrepostos em diversos locais do mundo, e controla o porto de Nápoles.
Então, há maior facilidade de a gente combater o crime organizado, mas, evidentemente, que seja feito de uma forma racional, com respeito aos direitos humanos, e não dessa forma espetacular e eleitoreira que o governador do Rio de Janeiro vem conduzindo.
Fonte: Tribuna da Imprensa