Felipe Sáles e Marcos Eduardo Neves
A tortura a que auxiliar de cozinha Fernando Antônio da Silva sofreu - comprovada em laudo do Instituto Médico Legal - nas dependências da Delegacia Anti-Seqüestro, no Leblon, em 23 de junho do ano passado, conforme revelou ontem, com exclusividade, o Jornal do Brasil, não foi o único delito cometido pelas autoridades que o prenderam. No momento da prisão, o auxiliar de cozinha anotava a placa de um carro que julgava ser o da prima de sua esposa, raptada em junho de 2006.
Além das torturas, houve também coação policial e até mesmo uma violação de determinação expedida pela 11ª Vara Criminal. Ainda assim, o delegado Marcelo Luiz Santos Martins, que assinou a guia de encaminhamento, nega a acusação. Para ele, não houve fraude.
- O procedimento foi normal, como sempre fazemos na DAS. Não houve nenhuma alteração - alega.
Fernando já estava preso havia sete dias na DAS, quando os advogados Jorge Olímpio do Amaral Rocha e Marcus Vinícius da Silva Rocha foram ao local colher sua assinatura, para que o representassem. E só puderam falar com o cliente através de uma malha de vergalhões, denominada parlatório.
- A autoridade que o prendeu deveria ter solicitado o exame de corpo de delito - explica Marcus Vinícius.
Os advogados tiveram de solicitar judicialmente o exame, que foi feito um dia depois. Mas o comissário de polícia Delio Cola fez com que ele só mostrasse os punhos ao legista.
- Ele disse que, se mostrasse todas as lesões, iria para um cárcere pior, pois deixaria os policiais da DAS mal - lembra Fernando.
Os legistas Cláudio Amorim e Miriam de Abreu atestaram escoriações nos pulsos, mas nada perguntaram a Fernando em relação às demais lesões em seu corpo, ainda que este tenha sido examinado nu.
Restou aos advogados retornar à 11ª Vara Criminal para solicitarem nova perícia. No despacho, o juiz Alcides da Fonseca Neto determinou que fosse examinado todo o corpo.
No entanto, no dia da perícia, Jorge Rocha foi convocado para comparecer à DAS, porque o delegado resolvera interrogar novamente o réu. Desta vez, o sub-diretor da DAS, Claudio Ferraz, hoje titular da Draco, acompanhou o depoimento.
- Fomos lá e vimos o delegado encaminhar o interrogatório de uma forma tão confusa que o superior dele chamou para si a tarefa - conta Jorge Rocha.
Só então o acusado foi levado para o IML. Lá, implorou ao advogado Marcus Vinícius para não mais ser examinado. O policial Carlos Romito do Azevedo Marques, que conduzira o réu da DAS ao IML, tentou intimidar o auxiliar de cozinha e seu advogado, sem deixá-los conversar.
Enquanto isso, o outro representante do acusado, Jorge Rocha, descobriu a violação da ordem judicial no momento em que a atendente do balcão leu o que constava na guia de encaminhamento expedida pela DAS e assinada pelo delegado, sem mencionar a determinação expressa judicial de exame na genitália. Os advogados, em contrapartida, mostraram cópia do ofício expedido pelo juiz.
Prevaleceu, para a legista Leila Abdalad a ordem judicial, e ficaram comprovadas as torturas. Mas Fernando sofreu as conseqüências a que tinha sido ameaçado e foi conduzido para a Polinter de São Gonçalo, onde permaneceu até fevereiro.
Fonte: JB Online