Luiz Orlando Carneiro
BRASÍLIA. Mesmo que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancione o projeto de lei de autoria do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), que torna obrigatória a realização, no curso do processo penal, de interrogatórios de réus presos por meio de videoconferências, vai acabar no Supremo Tribunal Federal a discussão sobre a constitucionalidade da medida - já em prática em alguns Estados e no Distrito Federal.
Os ministros do STF têm opiniões conhecidas divergentes sobre a questão. Quatro integrantes da 2ª Turma (Celso de Mello, Gilmar Mendes, Cezar Peluso e Eros Grau) entenderam, no julgamento de um habeas corpus, em agosto, que esse tipo de interrogatório viola os princípios da ampla defesa e do devido processo legal.
Um mês antes, no entanto, a presidente do tribunal, ministra Ellen Gracie - que estava de plantão durante o recesso do Judiciário - negou liminar em recurso proposto por um réu preso em São Paulo (que tem lei permitindo a videoconferência em interrogatórios), confirmando decisão do Superior Tribunal de Justiça, na linha de que a prática - mais segura, rápida e econômica para a administração da justiça - não ofende, à primeira vista, nenhuma garantia constitucional. O mérito da questão será julgado proximamente pelo plenário do STF, e o relator é o ministro Ayres Britto.
Enquanto isso, associações de juízes e de defensores públicos pressionam o ministro da Justiça, Tarso Genro, para que aconselhe o presidente Lula a vetar o projeto de lei, aprovado pelo Senado no último dia 24, em votação simbólica, com base em substitutivo proveniente da Câmara dos Deputados.
A Associação Juízes para a Democracia e a Associação dos Defensores Público do Rio de Janeiro enviaram ofícios ao presidente da República e ao ministro da Justiça, nos quais destacam a violação dos princípios constitucionais do direito à ampla defesas, do devido processo legal e do contraditório, que exigiriam a presença física dos réus e seus advogados nos interrogatórios promovidos pelos juízes.
- Onde ficariam os defensores públicos quando da realização da videoconferência? - pergunta no ofício ao ministro Tarso Genro o presidente da Associação dos Defensores Públicos do Estado Rio de Janeiro, Denis de Oliveira Praça. - No estabelecimento prisional, ao lado do acusado e impossibilitado de exercer a necessária fiscalização do ato processual? Ou na sede do juízo, ao lado dos demais sujeitos processuais e impossibilitado de obter de pronto as informações indispensáveis ao exercício do contraditório e da ampla defesa, que somente o acusado pode transmitir?
A presidente da Associação de Juízes para a Democracia, sediada em São Paulo, Dora Martins, dirigiu-se diretamente ao presidente da República, em ofício, na última quinta-feira. Ao pedir que o presidente Lula vete o projeto que modifica o artigo 185 do Código de Processo penal, ela assinala que a norma atual "já permite a realização de atos processuais em sala anexa às unidades penais, para casos excepcionais", e lembra que o próprio Conselho Nacional de Política Criminal e Penitncária (órgão federal) "repudiou o projeto".
- É necessário modernizar a justiça com o uso de meios tecnológicos para agilizar a prestação jurisdicional - admite Dora Martins. - Mas não é cabível que, em nome da modernidade, haja supressão de direitos fundamentais. Os tratados internacionais ratificados pelo Brasil determinam a apresentação do preso, em prazo razoável, diante do juiz para ser ouvido, com as devidas garantias. Não se trata de presença ficta (ilusória), mas real. Os tratados que contemplam as hipóteses permissivas de videoconferência, no sistema global, são de aplicação excepcional, como se vê nas convenções de Palermo e de Mérida.
Ainda de acordo com a juíza, se o projeto for sancionado, "fatalmente teríamos processos anulados, réus que estivessem presos teriam que ser soltos, prazos prescricionais seriam afetados, e, principalmente, direitos fundamentais seriam vulnerados".
Fonte: JB Online