segunda-feira, novembro 05, 2007

"O Brasil é um grande cassino", diz Freire

Presidente nacional do PPS afirma que banqueiros riem à toa e que povo tem de se contentar com o Bolsa-Família
Fernando Sampaio
Ao fazer um balanço do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente nacional do Partido Popular Socialista (PPS), Roberto Freire, ressalta que "o Brasil é um grande cassino". Segundo ele, "somos o grande espaço para a especulação internacional e, nesse sentido, no Brasil o rico ri à toa". Freire diz que, "nunca banqueiro, entre nós, teve tão tamanhos ganhos quanto está tendo". Ao mesmo tempo, salienta que o governo Lula atende, sem um projeto nacional de desenvolvimento, "os que estão excluídos desse processo com programas e políticas compensatórias".
Para Freire, programas como o Bolsa-Família seriam interessantes para "alguns bolsões de miséria, mas, evidentemente, ela não pode ser uma política pública permanente, até porque tem na sua própria essência um paradoxo meio absurdo e que provoca uma perspectiva meio sombria". Ressalta que "o Bolsa-Família existe para quem não tem trabalho, e, o pior, incentiva o nada fazer, porque quem trabalha acaba perdendo o benefício. Isso, evidentemente, não é construção de nenhum país para o futuro, para as novas gerações. É perigoso".
TRIBUNA DA IMPRENSA - Qual o balanço que o senhor faz do governo Lula?
ROBERTO FREIRE - É um balanço muito negativo. Tenho uma avaliação, e o partido também, de que essa política econômica não tem nenhuma grande formulação de um projeto de função, de um protagonismo no Brasil nesse mundo globalizado. Pelo contrário. É uma continuidade daquilo que já estava esgotado no governo Fernando Henrique Cardoso, que é uma política neoliberal, onde você tem atendido, e de forma como nunca "na história deste País", tão bem atendido, que é o sistema financeiro nacional e internacional.
O Brasil é um grande cassino e nós somos o grande espaço para a especulação internacional. E, nesse sentido, você vê no Brasil rico rindo à toa. Nunca banqueiro entre nós teve tamanhos ganhos como os atuais. E, ao mesmo tempo, sem um projeto nacional de desenvolvimento, você atende os que estão excluídos desse processo, com programas e políticas compensatórias.
Talvez a mais célebre que Lula utiliza é o do Bolsa-Família, que seria interessante para alguns bolsões de miséria, mas, evidentemente, que não pode ser uma política pública permanente, até porque ela tem na sua própria essência um paradoxo meio absurdo e que provoca uma perspectiva meio sombria. Uma Bolsa-Família existe para quem não tem trabalho e, o pior, incentiva o nada fazer, porque quem trabalha acaba perdendo o benefício. Não é construção de nenhum país para o futuro, para as novas gerações. É perigoso.
A cúpula do Partido dos Trabalhadores (PT) insiste na Constituinte exclusiva para a reforma política. O que o senhor diz sobre isso?
É evidente que isso é algo que corresponde ao interesse que julgo perigoso, porque o pouco que está se tentando em termos de América Latina, para se buscar não fazer revolução, mas pelo menos mudar todas as regras do jogo democrático. Tremendamente perigoso, e o PPS tem uma posição contrária, até porque se a reforma política viesse a ser feita, bastaria que o PT e o governo Lula tivessem interesse em realmente fazer. Se tivessem, fariam, e não fizeram.
Quem iniciou, e até de uma forma bem correta, foi o Supremo Tribunal Federal, que já deu início com essa última decisão e a interpretação do TSE. O governo Lula não fez, não quis fazer e nem o PT desejou. E nesse sentido não adianta vir falar de uma Constituição exclusiva. É muito perigoso, e não podemos permitir que isso ocorra. Quero dizer que nós votamos, inclusive, contra a reeleição, tal como foi proposta por Fernando Henrique, lá na reeleição, no meio do seu governo. Muito mais perigoso agora de se imaginar uma Constituinte exclusiva, sem limites.
Estamos vendo na América Latina que as reeleições indefinidas no sistema presidencialista são o caminho mais curto para regimes fortes, ou melhor, é próprio dos aprendizes de ditador. Isso não nos interessa, e não deve interessar particularmente à esquerda, que tem compromisso democrático e que muito lutou, e não foi pouco não, na resistência contra a ditadura militar. Isso é muito recente e não podemos perder a memória.
O procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, afirma que a denúncia contra José Dirceu se baseou em dados, mas o presidente Lula insiste em dizer que não acredita na culpa do seu ex-chefe da Casa Civil, acusado de chefiar o mensalão. Como analisar essa questão?
Qualquer cidadão pode e tem o direito de contestar, pelo menos do ponto de vista teórico, qualquer decisão do procurador-geral da República, ou decisões do próprio Poder Judiciário. Agora, você tem que fazer na forma em que respeite essas instituições, porque essa é a competência, o papel que ele faz. O que Lula fez, nessa questão do José Dirceu, foi algo inconcebível para um presidente da República. Ele fez essa afirmação fora do País.
Não foi nenhuma análise que poderia ter feito se alguém tivesse questionado. Não, ele falou como ele fala, tanto das suas baboseiras ou coisas sérias, ele fala impunemente de tudo, sem entender muitas vezes de quase nada. E essa daí foi um exemplo de que o presidente da República tinha que se conter, até para ter compostura e não falar sobre instituições, no caso o Poder Judiciário tendo recebido a denúncia, deixa de ser do procurador. Essa passa a ser uma denúncia aceita pelo juiz do Supremo Tribunal Federal, que é quem vai investigar agora.
Agora, ele vai falar lá fora sobre isso de forma descabida. Um presidente da República tinha que ter um pouco mais de compostura e não estar falando dos outros poderes, muito menos de algo que o Supremo Tribunal Federal aceitou. Ele tinha que respeitar isso, e as suas observações teriam que ter todo o cuidado, sabendo que não é uma observação de um cidadão comum, que as poderia fazer, mas é de um presidente da República, que deveria ter o limite exato de suas relações com os outros poderes.
Muitos afirmam que a oposição já não é mais a mesma. O que está acontecendo?
Eu não tenho essa avaliação não. Acho que a oposição brasileira tem até em alguns momentos agido com muita firmeza, competência. O governo Lula tem tido uma oposição. Se não tivesse essa oposição ele já teria cometido ainda muito mais barbaridades. Por exemplo: ele teria controlado já a imprensa, o audiovisual, teria imposto a censura nas nossas televisões e nos nossos sistemas de produção de audivisual. Ele tenta fazer isso, inclusive, por portaria.
Se você não tivesse uma oposição, teria talvez aí no Brasil situações muito mais preocupantes. Governo que, de vez em quando, demonstra pouco respeito às regras democráticas. O que estamos assistindo é uma oposição que tenta fazer oposição e faz. Agora, tem um problema: na sociedade brasileira você só consegue algo muito prático e efetivo nos processos eleitorais e, particularmente, dentro do nosso sebastianismo, precisamos ter alguém que incorpore esse programa, esse projeto da oposição.
E isso tem a ver, por exemplo, com uma candidatura presidencial, porque a sociedade não se mobiliza muito por programa, ainda. Isso é algo que estamos avançando, temos aprimorado esse processo, consolidado, e com um nível de consciência maior da cidadania, mas ainda estamos muito presos a idéia de um salvador, de alguém que incorpore um projeto, um programa alternativo. Então, nesse sentido, acho que estamos tendo que construir essa alternativa.
E qual é a dificuldade?
É que você tem uma oposição que tem uma oposição pela esquerda, e tem uma oposição nitidamente neoliberal e com características próprias de direita. E até se exacerbando, essa direita, que tem se rearticulado, até porque o governo do Lula, inclusive, com esse processo do próprio governo com a corrupção, envolveu a esquerda com corrupção, coisa que no Brasil nunca foi comum. Eu diria que foram raríssimas as oportunidades que isso ocorreu.
E isso açulou e atiçou uma oposição à direita, um pouco raivosa, muito extremada. Mas, é bom a gente dizer, a oposição brasileira não é uma oposição da direita, conservadora ou liberal. Há uma oposição de esquerda. Eu poderia estar citando nós (PPS), posso citar o PSOL, mesmo com concepções distintas, mas no campo da esquerda nitidamente setores do PSDB e do PMDB, que de esquerda, também fazem oposição.
Então, nesse sentido, acho que a oposição existe, e ela vai buscar a sua corporificação num projeto alternativo e numa candidatura. Quando isso ocorrer, você vai ver que o papel da oposição não é o papel em branco hoje. Ele pode não estar tendo a resposta alternativa muito forte ainda, mas isso vai se refletir lá adiante. Esse governo, digo a você, tem uma popularidade grande, mas é uma popularidade em cima de um clima de euforia econômica.
Não é nada orgânico. Pelo contrário, aquilo que era orgânico o PT perdeu. Eram os setores médios da população, da intelectualidade, que foi a base maior de apoio sempre aos partidos de esquerda e ao PT, em particular em 2002. Houve uma mudança de 2002 para 2006. Lula começou a ser muito forte nos grotões e começou a perder nas grandes cidades. É forte no Brasil mais subdesenvolvido e é muito fraco no Brasil mais avançado e mais desenvolvido.
Quais as disparidades brasileiras nos terrenos social e econômico, na sua opinião?
Esse é um dado importante que se confunde hoje com o ideário de um projeto de esquerda. No Brasil há uma sociedade profundamente injusta. Desde 94, e agora também houve uma aceleração, você tem tido alguns ganhos na diminuição dessas disparidades, dessas desigualdades. Outros países estão avançando e nós estamos aí patinando com pequenos avanços, mas, de qualquer maneira, alguns avanços.
A questão de distribuição de renda, houve também uma melhora, você ampliou a Constituição de 88 na questão da Previdência Social, criando alguns problemas que precisam ser resolvidos, problema de déficit a nível de Tesouro, mas você não adianta vir discutir para mim: "olha, está gerando déficit". Isso, de vez em quando, eu ouço: "Gera déficit porque botaram irresponsavelmente os trabalhadores rurais na Previdência".
E queriam que fizesse com os velhos, que são trabalhadores rurais, o quê? Estava imaginando o quê? Uma sociedade tem que ter a Previdência para eles, e tem que buscar como financiar, por favor! Então, que coisa absurda. É a idéia que não pode, porque pode gerar um déficit. Vamos saber como cobrir, vamos começar a discutir seriamente a questão tributária brasileira, em vez de ter uma carga tributária tremendamente alta em relação aos setores médios, e setores médios levando em consideração que têm um nível de renda baixo.
Pois bem, baseando a grande parte da arrecadação tributária brasileira em cima desse setor, quando você tem, por exemplo, os investidores internacionais isentos de pagamento de imposto de renda? Isso é o Brasil. O Chile controla o capital, mas o Brasil não pode fazer isso. Ou seja, mais uma vez banqueiro rindo à toa. Será que é esse o sistema que eu quero? Não, não é esse não. O sistema que queremos é uma Previdência que não tenha déficit, mas uma Previdência que atenda a todos os nossos idosos. Isso é inadmissível alguém vir discutir.
Fez bem a Constituição brasileira de 88. Grandes conquistas nós tivemos. Estamos avançando, agora, a passos de cágado. Precisamos correr aí, porque é a oportunidade que a economia mundial oferece e poderia melhor aproveitá-la. Infelizmente, o governo Lula vai hipotecando o nosso futuro de forma muito grave. Talvez, em alguns momentos, praticando políticas que vamos pagar muito caro no futuro.
Qual a sua opinião sobre fidelidade partidária?
Acho que a questão da fidelidade partidária tem um grande significado no Brasil, por conta de todo um processo de desmoralização da atividade política, e isso envolvendo também os partidos. Então, há um processo em que no País se exige para tentar pelo menos minorar esse processo de desmoralização, com a questão da fidelidade partidária. Agora, acho que isso tem que ser tratado entre os partidos, os seus militantes, filiados e seus parlamentares.
Essa decisão do Supremo Tribunal Federal não se trata de questão de fidelidade. O que o Supremo decidiu, atendendo a interpretação do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), é de que no sistema proporcional os mandatos são partidários e não dos candidatos. Os candidatos têm apenas o direito do exercício do mandato, em função do ordenamento que o eleitorado fez, quando da soma dos votos nominais. Aquele mais votado assume a primeira cadeira que o partido obteve com o quociente eleitoral.
Não se trata de questão de fidelidade, embora resulte em que você possa exercer essa relação de fidelidade entre quem exerce o mandato e aquele que é detentor do mandato, que no caso é o partido. Então, a decisão do Supremo ajudou tremendamente no Brasil, a que se possa ter uma perspectiva futura de partidos mais consolidados, mais programáticos e maior respeito naquilo que é fundamental, que é a soberania popular expressa nas urnas.
O Senado se enfraquece diante da opinião pública. Como analisar isso?
É muito grave. Se não fosse o Supremo, nós estaríamos com as instituições democráticas e significativas da República, os poderes, num processo de degradação residente. O Supremo aceitou a denúncia e houve um certo estancamento nesse sangramento das instituições democráticas. Há um claro alívio da cidadania brasileira de que a democracia está funcionando, mesmo que esteja ocorrendo crise. Infelizmente, esse é um dado da realidade.
E aí você teve um determinado momento, na questão do Congresso Nacional - e isso é que é o grave em todo esse episódio do Renam Calheiros -, é que antes do episódio Renam o Senado estava de certa maneira preservado. Era uma crise muito evidente na Câmara dos Deputados, mas o Senado parecia que pairava acima desse desgaste que a Câmara apresentava a toda a sociedade brasileira.
O problema de Renam trouxe o Senado também para essa vala comum, e até diria de forma até pior, num ajuntamento de denúncias, escândalos. Portanto, temos que entender que estamos vivendo um péssimo momento, mas temos que estar sempre com a perspectiva de superá-lo. Isso não é algo que vai permanecer. A sociedade tem capacidade de se recuperar e o Brasil precisa começar a pensar como se recuperar dessa péssima quadra que estamos vivendo.
Quais os planos do PPS para as próximas eleições?
Ótimos. Nós fizemos todo o trabalho com um certo planejamento estratégico do que iremos fazer agora em 2008, definimos algumas metas e lançamos o projeto "Pé na Estrada". Já podemos dizer que ele foi um sucesso, mas ainda precisa acumular mais êxitos. Mas já podemos dizer que vamos disputar a eleição em muito mais cidades e municípios do que em 2004. E mais do que isso, um exemplo é que nas capitais, em 2004 em apenas seis nós disputamos eleição, mas hoje temos candidatos em 20 capitais brasileiras.
Isso é uma demonstração de crescimento, e alguns desses candidatos com efetiva condição de disputar a eleição e ganhar. Por exemplo, no Rio de Janeiro, se a Denise Frossard se consolidar como candidata (a prefeito) será uma candidatura fortíssima.
Nós temos Raul Jungamman em Recife, e João Fontes, aquele ex-deputado que foi expulso do PT por se rebelar contra a traição que o partido fez ao seu estatuto e seu programa, lá em Aracajú. Temos bons candidatos disputando em várias capitais brasileiras. O partido se organizou bem. Ainda é um partido médio, mas acredito que, com muito mais força e presença do que em 2004.