sexta-feira, novembro 02, 2007

O apagão é de competência

Coitados dos passageiros. Esse é o rescaldo da tardia despedida do engenheiro mecânico e professor de Turismo Milton Zuanazzi da presidência da Agência Nacional de Aviação Civil. Abatido finalmente pelo fogo nada amigo disparado do Palácio do Planalto, Zuanazzi entrou em parafuso sem desligar a metralhadora. Acusou o ministro da Defesa, Nelson Jobim, de integrar as "forças ocultas" que conspiram contra o desenvolvimento da aviação no país. Acredita que está em curso uma revolução da elite indisposta por dividir o cinto de segurança com "pobres".
A insólita apropriação das diatribes de Jânio Quadros coroa com louros o farto besteirol que a Anac produziu nos últimos 12 meses. Zuanazzi, para quem não se recorda, decretou de público que não havia apagão, enquanto milhares de passageiros desesperavam-se nos aeroportos. A acusação ao ministro - estranhamente devotado à troca de chumbo inútil e espalhafatosa - é injusta: a Anac fez muito mais contra os indigentes passageiros e os passageiros pobres que a gestão de Jobim. A diretoria de apadrinhados trabalhou com afinco para e pelas empresas, contra quem pagava as viagens. Para lembrar, antes de pegar o boné e usar pela última vez as passagens gratuitas requisitadas às companhias, o demissionário da Anac vetou a intervenção da agência reguladora na nanica BRA, dona do recorde de um vôo internacional com atraso de quase 90 horas na decolagem.
O Brasil já produziu grandes ministros. O azar de Zuanazzi é que justamente o substituto do franzino Waldir Pires fosse um gaúcho com mais de 1,90 metro de altura. Entre as primeiras broncas, o presidente da Anac ouviu que as empresas teriam de rever a distância entre as poltronas. A queixa poderia levar, por esse raciocínio, a um aumento de preço nas tarifas aéreas.
Ontem, na despedida, o engenheiro mecânico e professor de Turismo acusou Jobim "de não entender nada de aviação". Como expert em desconhecimento, o presidente da Anac tratou do conforto dos passageiros como um dado menor ante a matemática das companhias: quanto mais gente a bordo, mais barata a passagem. Ora, voar não pode ser um castigo, nem um risco. E avião não é ônibus.
A equação deve ser justa para todos e a rentabilidade, obtida a partir da melhor gestão - não da manipulação da entidade fiscalizadora, dócil sob a diretoria defenestrada e atenta a não contrariar os interesses do setor. Como diz o feirante, quem não tem competência, não se estabelece. A falsa norma usada para iludir a Justiça e permitir o pouso de jatos carregados nas péssimas condições de Congonhas será lembrada como o maior ato da turma.
Para os brasileiros, a saída de Zuanazzi apenas os priva de um rosto, o último na agência, a quem identificar em meio à balbúrdia dos aeroportos congestionados e dos vôos eternamente com problemas. Como a solução da crise não foi alcançada com a troca do ministro, nem veio a golpes de caneta ou vernáculo, a cada feriado o país treme.
Nelson Jobim tem, para usar o jargão, a aerovia reservada. Pilota sozinho o ministério e pôs a Anac sob sua vigilância. Sumiu a figura do demissionário a servir de réu no processo. Agora precisa resolver. Infelizmente, deu uma data distante para que o apagão acabe: 15 de março de 2008. É preciso guardá-la para que se faça a cobrança. Ao definir o prazo, o jurista parece ter esquecido que todos os prejuízos até lá lhe serão imputados.
Fonte: JB Online