domingo, novembro 11, 2007

Não chove há nove meses em mais da metade da Bahia

Desde o início do ano, 138 municípios já decretaram estado de emergência por causa da longa estiagem


Ciro Brigham
Das 20 milhões de almas que dormem e acordam sobre os sertões brasileiros, 6,5 milhões estão na Bahia e dois milhões das quais no ansioso aguardo do ronco dos céus: há nove meses não chove em 338.274km2 do estado (54% do território, 258 dos 417 municípios). Enquanto a companhia de um sol causticante parece eterna para os que habitam a zona rural dessa fatia acinzentada e sofrida, o forro azul-turquesa é ainda mais cruel para quem vive na região oeste, historicamente menos habituada a secas prolongadas. A criação de gado, a agricultura de subsistência e o abastecimento de água enfrentam situação jamais vista em muitos lugares.
Desde janeiro, são 138 os municípios baianos que tiveram decretado o estado de emergência _ 82 dos quais ainda em vigor. A maioria está no semi-árido, onde o ciclo natural que alterna falta e fartura perpetua mecanismos de sobrevivência que constroem a diferença entre a miséria absoluta e o passar necessidade. Porém, é no oeste onde a relativa inexperiência implica diretamente na falta de estruturas adequadas de convívio com a seca (açudes, poços artesianos, sistemas de captação de água da chuva), que o impacto se mostra ainda maior.
Em Formosa do Rio Preto (extremo oeste do estado), a 1.002 km da capital, a última chuva foi em fevereiro. Dos pouco mais de 20 mil habitantes, 40% vivem na zona rural do maior município da Bahia, que tem 16.185 km2. É gente que, acostumada com chuvas que duram até abril e seis meses de tempo seco, não sabe mais para quem apelar diante de um céu que não responde aos mais efusivos apelos. “Esta é a maior seca que a gente já verificou. Até as pessoas mais velhas dizem que nunca viram nada igual. Mesmo quando não chovia muito no Inverno (que na região, corresponde ao período de outubro a março), tinha a chuva do caju, em setembro. Este ano, pela primeira vez, não teve”, informa o prefeito de Formosa, Manoel Araújo.
Barragens e cacimbas que nunca secaram estão sem água e o gado morrendo. O estado de emergência foi decretado em julho e homologado pelo governo do estado há dois meses, mas segundo o prefeito, o município só recebeu repasse de R$13.600 (valor correspondente a um mês).
“A ajuda é muito pequena. Eu gasto, em média, R$50 mil por mês só com o aluguel de dez carros-pipas e combustível, fora as 500 cestas básicas mensais distribuídas com recursos próprios. Estamos aguardando a liberação de verbas da Secretaria Nacional de Defesa Civil (ligada ao Ministério da Integração) para a construção de seis poços artesianos e a perfuração de outros quatro pela Cerb (Companhia de Engenharia Rural da Bahia), além de 900 cestas básicas que ainda não vieram por causa de um atraso na abertura da licitação para o transporte”, diz Araújo. Há dois meses, três máquinas pás-carregadeiras limpam aguadas secas para tentar melhorar as condições de armazenamento da água da chuva, que ainda não veio.
Comércio - Em Angical (também no oeste), a 886km de Salvador, o reflexo sobre o comércio – que gira em torno da pecuária – é visível. “Não tem mais pasto. Com a alimentação deficiente e as doenças oportunistas, já morreu muito gado por aqui. Vários pequenos pecuaristas nem medicam mais os animais porque dizem que não vale a pena”, conta o proprietário de uma loja de produtos veterinários, Jesuíno Cosmo de Souza, que sente a crise no bolso. “Não temos preparo para esta seca, que já ultrapassou todos os limites. A situação é caótica”, completa o vereador Edson Silva de Matos.
Mesmo banhado pelo Rio Grande (que é perene), o município também já sofre com a falta d’água para abastecimento humano em várias localidades da zona rural. O tempo é de plantio, mas sem chuva, os pequenos agricultores _ que não contam com sistema de irrigação _ nada podem fazer. “Até mesmo o chamado oeste rico (que compreende os municípios de Barreiras, Luís Eduardo Magalhães, São Desidério, Correntina e Riachão das Neves), que concentra 30% da produção agrícola do estado e 5% da nacional, está sofrendo muito. O plantio das grandes áreas no tempo chuvoso já era para ter começado”, diz o vereador, segundo o qual Angical ainda não recebeu ajuda do estado (o decreto de emergência foi homologado no final de outubro).
Fonte: Correio da Bahia