domingo, novembro 04, 2007

Lula obrigou Petrobras a ceder, indica documento

JANAINA LAGEda Folha de S.Paulo, no Rio
Pressão direta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva obrigou a Petrobras a assinar termo de compromisso com a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) e ceder gás para as usinas termelétricas, indicam correspondências às quais a Folha teve acesso.
A necessidade de cumprir esse compromisso provocou nesta semana a redução de 17% no fornecimento de gás a distribuidoras estaduais do Rio e de São Paulo e provocou prejuízos a indústrias e a proprietários de veículos movidos a gás.
Carta enviada em 10 de maio pelo presidente da estatal, José Sérgio Gabrielli, para o então ministro de Minas e Energia Silas Rondeau mostra que a empresa agiu contrariada, atendendo a determinação do presidente.
"Apesar de possíveis questionamentos sobre as obrigações legais e contratuais da empresa de garantir esta disponibilidade adicional de energia, a Petrobras está plenamente empenhada em cumprir os compromissos assumidos no termo, atendendo a missão atribuída pelo senhor presidente da República", afirma trecho da correspondência.
A decisão sobre a assinatura do termo foi tomada em reunião no dia 19 de abril com a presença do presidente Lula e da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff.
Segundo o relato de um dos participantes da reunião, a estatal assinou o documento sob a pressão do presidente Lula, que chegou a dizer que o presidente Fernando Henrique Cardoso teve o apagão porque foi mal informado por assessores e que estava presente ao encontro para evitar que a situação se repetisse.
Cumprindo regras da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), o ONS (Operador Nacional do Sistema) determinou a entrada das térmicas para poupar os reservatórios das hidrelétricas.
A Petrobras é a responsável por fornecer o gás necessário para a entrada em operação das térmicas. Com isso, decidiu limitar o volume de gás entregue às distribuidoras ao montante previsto em contrato e destinar o restante para a geração de energia.
Na correspondência, o governo já mostrava, em abril deste ano, preocupação com o abastecimento no período de 2008 a 2010.
Em carta a Gabrielli, o então ministro Silas Rondeau afirma que "o período compreendido entre 2008 e 2010 representa um grande desafio para as áreas de planejamento, operação e monitoramento energético, principalmente no âmbito do setor de energia elétrica".
O ex-ministro destaca que o país se tornará mais dependente da geração termelétrica para complementar a matriz energética e que a oferta de gás natural será "fundamental" para definir os parâmetros de atendimento à demanda.
As correspondências obtidas pela Folha --envolvendo a cúpula da Petrobras e dos ministérios da Casa Civil e Minas e Energia-- mostram o processo que terminou com a substituição do então diretor da área de Gás e Energia da Petrobras, Ildo Sauer, por Graça Foster, apadrinhada da ministra Dilma Rousseff. A Folha não conseguiu ontem contato com a assessoria da Presidência, da Casa Civil e da Petrobras, em razão do feriado.
Em carta enviada a Rondeau no dia 29 de março, antes da assinatura do termo, no dia 4 de maio, Ildo Sauer afirmou que a Petrobras entendia que sua obrigação de fornecimento de gás ou de outro combustível restringia-se ao necessário para o atendimento de contratos firmes de gás para térmicas de terceiros e dos contratos de venda de energia.
O ex-diretor dizia que uma reserva de geração de cerca de 3 GW, sem contrato de venda de energia, significaria prejuízo anual de US$ 1,5 bilhão à Petrobras e de cerca de US$ 500 milhões para outros setores da economia. Sauer apontava que a sociedade seria penalizada porque voltaria a consumir combustíveis mais caros e de maior impacto ambiental.
A estatal sugeria a antecipação de usinas a óleo combustível e a construção de novas usinas remuneradas como reservas de geração. O imbróglio entre a estatal e a Aneel era um dos atritos entre Sauer e Rousseff, que é presidente do Conselho de Administração da Petrobras e conduziu a reformulação do novo modelo do setor.
No início de agosto, a Petrobras enviou carta ao diretor-geral da Aneel, Jerson Kelman, pedindo que eventuais divergências sobre o entendimento do termo não fossem divulgadas à imprensa porque poderiam "ocasionar danos à imagem da Petrobras".
A estatal, que não havia cumprido o termo que assinara com a Aneel, pediu que a data de aplicação de multas fosse postergada para o dia 1º de outubro e alegava que o motivo para o não cumprimento do termo era resultado de orientação da Presidência da República.