sexta-feira, novembro 02, 2007

Coisas da política - Dinastias e continuísmo

De todos os legados do Iluminismo, o mais importante foi o da reabilitação da idéia republicana do Estado democrático, conforme o modelo greco-romano. No processo contra Luís XVI isso ficou bem claro. O monarca era, de acordo com seus defensores, um homem bom, ingênuo mesmo, se comparado a seus dois antecessores, Luís XIV e Luís XV, que atingiram os limites do Absolutismo. Mas a razão burguesa, que vinha sendo construída a partir do século anterior, abominava a idéia das dinastias - mais do que a das monarquias. A estabilidade, vista pela dialética, significa imobilismo. No mundo que se abria com a Aufklärung (vocábulo que expressa melhor a súbita luz da razão), a ciência se libertava de suas peias dogmáticas e ortodoxas e, assim, os homens deveriam libertar-se também da tradição do poder unipessoal e hereditário, tido como "direito divino".
Passados dois séculos - durante os quais a monarquia foi perdendo seu poder, para sobreviver apenas como um símbolo, como é hoje o caso da Inglaterra, da Holanda, da Bélgica, da Espanha e de alguns países nórdicos - a nostalgia das famílias reais se insinua no Estado moderno. Uma causa provável é a crise do sistema democrático republicano, assaltado, já a partir do fim do século 19, pelos homens de negócios. É importante registrar, já com o segundo Bush, essa tendência dinástica nos Estados Unidos, país que vem, pela força dos meios de comunicação, ditando o comportamento político do mundo. O fanático neoconservador fundamentalista, associado aos petroleiros texanos, provavelmente não passasse em concurso público que exigisse o mínimo de conhecimentos gerais. Apesar disso, ocupa o cargo que foi antes de homens da grandeza de George Washington e de Thomas Jefferson, de Andrew Jackson e de Abraham Lincoln, de Grover Cleveland e de Franklin Roosevelt.
Eleita a senhora Kirchner, e favorita a senhora Clinton, temos novo tipo de sucessão. É certo que, no caso da Argentina, há o precedente antigo da força das mulheres na condução do Estado. Antes de Eva e de Isabelita já havia sido poderosa a influência de Manuelita de Rosas, que exercia função apaziguadora sobre o despotismo do pai, Juan Manuel de Rosas. Sobre Manuelita, Eva e Isabelita, Cristina leva o benefício de ter sido militante de esquerda na juventude.
Como todo sucedâneo tende a ser mais exacerbado do que o modelo, propõe-se, no Brasil, a reeleição sem limites. Para adoçar a boca dos atuais governadores e prefeitos, essa reeleição ilimitada beneficiaria todos os ocupantes de cargos executivos. Trata-se de uma idéia desprovida de sentido republicano, mas não faltarão argumentos para sustentá-la. O argumento mais forte dos interessados é o da estabilidade, para o cumprimento dos projetos de Estado. Mas o continuísmo do mesmo grupo no poder, além de impedir a renovação das elites políticas, traz a imobilidade social e reclama a luta para restaurar a democracia real. Não pode haver estabilidade contra o princípio fundamental da alternância de homens e de idéias no comando dos Estados republicanos.
Talvez - a partir de uma discussão ampla na sociedade - conviesse ampliar os mandatos executivos em mais um ano. Em cinco anos de indesviável respeito à democracia, Juscelino fez a maior revolução econômica no século 20 brasileiro. Cinco anos, sem reeleição.
Todo governo é suficientemente poderoso para continuar à frente do Estado. Os regimes parlamentaristas (e esse é seu defeito pior) nos mostram como é possível a ditadura ilimitada dos chefes de governo, tudo de acordo com os dispositivos constitucionais. É bom lembrar Mussolini e Salazar, entre tantos outros.
Fonte; JB Online