domingo, outubro 07, 2007

DAS, a sigla da discórdia

Karla Correia


BRASÍLIA. Uma pesquisa recente da Fundação Getúlio Vargas joga luz sobre um dos motivos mais citados para as freqüentes rixas entre legendas da coligação que elegeu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no segundo mandato. O trabalho, organizado pela cientista política Maria Celina D'Araújo, faz uma radiografia da distribuição de cargos de confiança no governo Lula - a elite do funcionalismo público que, ao lado dos ministros, governa o país. E, na avaliação da cientista, confirma a hegemonia do PT na ocupação de posições mais altas na hierarquia do governo, em detrimento das demais legendas da ala governista.

O partido do presidente Lula ocupa 39,6% dos cargos comissionados DAS-6, que incluem os secretários-executivos de ministérios, dirigentes de autarquias e fundações e o comando de órgãos ligados à Presidência da República. As áreas de Desenvolvimento - incluindo Planejamento de Políticas Sociais - e a Presidência da República concentram a maior parte dos cargos ocupados por filiados ao PT. Juntos, todos os demais 11 partidos aliados estão representados em apenas 7,5% das posições no mesmo nível de hierarquia do serviço público, mostra o estudo, que também chama a atenção para a origem política desses servidores. O trabalho foi desenvolvido em uma amostra de 302 funcionários do governo que ocupam cargos de livre provimento, onde a nomeação não passa por seleção em concurso.

- O desequilíbrio entre os partidos na ocupação de cargos em um governo que se apresenta como "de coalizão" e a clareza do critério político utilizado na nomeação de funcionários para posições estratégicas na administração pública foram os dois componentes básicos na gênese do escândalo do mensalão - observa Maria Celina. Para a cientista política, o quadro se repete perigosamente no segundo mandato.

- O PT continua com um espaço desproporcional no governo em relação aos outros aliados do presidente Lula, o que dá margem a novas crises políticas geradas pelo próprio governo e dificuldades na relação com o Legislativo, como já se vê no ambiente do Senado e em pequenos incêndios na tramitação da CPMF - diz a especialista.

Maria Celina acredita que os resultados do levantamento apontam para a prática de clientelismo na nomeação desses cargos.

Boa parte dos filiados ao partido que hoje ocupam cargos no governo está ligada a sindicatos e os movimentos sociais. Cerca de 45% dos servidores nesse nível da administração pública são sindicalizados. Para efeito de comparação, a média nacional de trabalhadores filiados a sindicatos é de 14,5%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Outros 46% declaram ter pertencido a algum movimento social, 31,8% declaram ter pertencido a conselhos gestores e 23,8% a experiências de gestão local. Apenas 5% pertenceram a associações patronais. A participação de movimentos sociais no corpo ministerial é recorde no governo Lula: 28 ministros, em seu primeiro mandato, tiveram origem nos movimentos sociais, contra 14, no segundo mandato de FHC.

- Para uns, essa proporção elevada de sindicalizados e pessoas ligadas a associações é evidência de democracia participativa, para outros, de cooptação dos movimentos sociais pelo Estado - comenta a cientista política, que destaca que clientelismo e classismo não são características exclusivas do governo Lula. No segundo mandato de FH, exemplifica, a presença de entidades patronais era forte, tanto nos ministérios quanto nos cargos mais altos na administração.

- O clientelismo ou o classismo não são, em si, motivo de preocupação - avalia Maria Celina. Segundo ela, o problema está nos efeitos que a adoção de critérios políticos para a nomeação desses cargos possam ter na qualidade da administração pública. Um dos dados levantados pela pesquisa mostra motivo para inquietação: ao mesmo tempo em que o número de indicados políticos cresceu, caiu a percentagem de mestres e doutores nos níveis mais altos do governo.

- Para piorar, os filiados a partidos são, em sua maior parte, outsiders da esfera pública federal - explica a cientista.

Fonte: JB Online