Karla Correia
BRASÍLIA. Uma pesquisa recente da Fundação Getúlio Vargas joga luz sobre um dos motivos mais citados para as freqüentes rixas entre legendas da coligação que elegeu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no segundo mandato. O trabalho, organizado pela cientista política Maria Celina D'Araújo, faz uma radiografia da distribuição de cargos de confiança no governo Lula - a elite do funcionalismo público que, ao lado dos ministros, governa o país. E, na avaliação da cientista, confirma a hegemonia do PT na ocupação de posições mais altas na hierarquia do governo, em detrimento das demais legendas da ala governista.
O partido do presidente Lula ocupa 39,6% dos cargos comissionados DAS-6, que incluem os secretários-executivos de ministérios, dirigentes de autarquias e fundações e o comando de órgãos ligados à Presidência da República. As áreas de Desenvolvimento - incluindo Planejamento de Políticas Sociais - e a Presidência da República concentram a maior parte dos cargos ocupados por filiados ao PT. Juntos, todos os demais 11 partidos aliados estão representados em apenas 7,5% das posições no mesmo nível de hierarquia do serviço público, mostra o estudo, que também chama a atenção para a origem política desses servidores. O trabalho foi desenvolvido em uma amostra de 302 funcionários do governo que ocupam cargos de livre provimento, onde a nomeação não passa por seleção em concurso.
- O desequilíbrio entre os partidos na ocupação de cargos em um governo que se apresenta como "de coalizão" e a clareza do critério político utilizado na nomeação de funcionários para posições estratégicas na administração pública foram os dois componentes básicos na gênese do escândalo do mensalão - observa Maria Celina. Para a cientista política, o quadro se repete perigosamente no segundo mandato.
- O PT continua com um espaço desproporcional no governo em relação aos outros aliados do presidente Lula, o que dá margem a novas crises políticas geradas pelo próprio governo e dificuldades na relação com o Legislativo, como já se vê no ambiente do Senado e em pequenos incêndios na tramitação da CPMF - diz a especialista.
Maria Celina acredita que os resultados do levantamento apontam para a prática de clientelismo na nomeação desses cargos.
Boa parte dos filiados ao partido que hoje ocupam cargos no governo está ligada a sindicatos e os movimentos sociais. Cerca de 45% dos servidores nesse nível da administração pública são sindicalizados. Para efeito de comparação, a média nacional de trabalhadores filiados a sindicatos é de 14,5%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Outros 46% declaram ter pertencido a algum movimento social, 31,8% declaram ter pertencido a conselhos gestores e 23,8% a experiências de gestão local. Apenas 5% pertenceram a associações patronais. A participação de movimentos sociais no corpo ministerial é recorde no governo Lula: 28 ministros, em seu primeiro mandato, tiveram origem nos movimentos sociais, contra 14, no segundo mandato de FHC.
- Para uns, essa proporção elevada de sindicalizados e pessoas ligadas a associações é evidência de democracia participativa, para outros, de cooptação dos movimentos sociais pelo Estado - comenta a cientista política, que destaca que clientelismo e classismo não são características exclusivas do governo Lula. No segundo mandato de FH, exemplifica, a presença de entidades patronais era forte, tanto nos ministérios quanto nos cargos mais altos na administração.
- O clientelismo ou o classismo não são, em si, motivo de preocupação - avalia Maria Celina. Segundo ela, o problema está nos efeitos que a adoção de critérios políticos para a nomeação desses cargos possam ter na qualidade da administração pública. Um dos dados levantados pela pesquisa mostra motivo para inquietação: ao mesmo tempo em que o número de indicados políticos cresceu, caiu a percentagem de mestres e doutores nos níveis mais altos do governo.
- Para piorar, os filiados a partidos são, em sua maior parte, outsiders da esfera pública federal - explica a cientista.
Fonte: JB Online