Escrito por Henrique Júdice Magalhães
No dia 19/06, o secretário de Políticas Previdenciárias do MPAS (Ministério da Previdência e Assistência Social), Helmut Schwarzer afirmou que a Previdência Social é financeiramente inviável a longo prazo. A declaração foi feita ao Fórum Nacional de Previdência Social – instituído em janeiro no âmbito do PAC – e indica a rendição definitiva do governo ao lobby em favor do desmonte e privatização do sistema, liderado pelas entidades de classe do setor financeiro.
Essa suposta inviabilidade é o principal argumento esgrimido pelas associações patronais agrupadas no Plano Diretor do Mercado de Capitais (PDMC). Em 13/12 do ano passado, uma delegação do PDMC encabeçada pelo presidente da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), Gabriel Jorge Ferreira, entregou ao então ministro da Previdência e Assistência, Nelson Machado, um projeto de reforma elaborado pelo ex-ministro de Fernando Henrique, José Cechin, e pelo economista Fabio Giambiagi, ex-funcionário do Banco Interamericano de Desenvolvimento e atualmente no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).
A proposta acaba com o que resta dos sistemas de Previdência e Assistência e atinge em cheio a base da pirâmide da força de trabalho através de medidas como a desvinculação entre aposentadoria mínima e salário mínimo. Seu conteúdo é tão perverso que chegou a suscitar um ensaio de resistência de alguns setores do governo, expresso em declarações do próprio Schwarzer, de Machado e do ministro da Fazenda, Guido Mantega, entre janeiro e março.
Lobby
O trabalho de lobby do PDMC dissipou essas reservas, principalmente após a substituição de Machado por Luiz Marinho no MPAS.
A face diurna e visível deste trabalho deu-se nas reuniões preparatórias do Fórum, realizadas entre 7 de março e 22 de maio, destinadas ao diagnóstico da situação previdenciária. Essa reuniões foram dominadas por tecnocratas ligados ao PDMC, aos organismos financeiros internacionais e à administração FHC. Giambiagi e o braço direito de Cechin no MPAS, Vinícius Carvalho Pinheiro (ex-funcionário do Banco Mundial e da OCDE) atuaram duas vezes como conferencistas. Também foram ouvidos Paulo Tafner, do IPEA e do grupo de trabalho do PDMC, e Marcelo Caetano, ex-integrante da equipe de Cechin no MPAS.
Torniquete...
Medidas preparatórias do desmanche do sistema de proteção social estabelecido pela Constituição de 88 já vinham sendo adotadas desde abril.
Para assegurar o cumprimento de uma meta de superávit primário de 3,8% do PIB, o projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2008, enviado ao Congresso em 12/04, determina a adoção de metas para os gastos do INSS com o pagamento de benefícios. O efeito disto é manietar a Previdência, condicionando sua ação ao cumprimento desses objetivos a exemplo do que ocorre no conjunto da economia por efeito do regime de metas de inflação.
Com uma agravante: os benefícios previdenciários, ao contrário de outras variáveis econômicas, não são algo sobre o que o governo possa dispor livremente. Os requisitos para sua concessão são definidos em lei e eles são devidos a todo cidadão que os preencha. Isto significa que o cumprimento das metas fixadas na LDO depende do descumprimento da lei previdenciária.
Desde o período Collor, o Estado brasileiro contorna a impossibilidade de contingenciar os gastos do INSS recorrendo a regulamentações que restringem ilegalmente o acesso do trabalhador aos benefícios previdenciários. Um exemplo escandaloso é a Orientação de Serviço 590, que vigorou de 1997 até 2006 e exigia que os documentos necessários à prova do trabalho rural em regime familiar estivessem em nome do próprio requerente – o que contradiz o próprio conceito (sociológico ou legal [1] ) de economia familiar. Seu efeito prático era impedir a aposentadoria das mulheres do campo e também daquelas que, emigradas para a cidade, tentassem obter o reconhecimento do período de trabalho rural. Isto porque, via de regra – e ainda mais tendo em conta os costumes de décadas atrás, já que falar em aposentadoria é falar em toda uma vida de trabalho –, esses documentos (notas de comercialização de produtos etc.) são emitidos em nome do homem. Outro caso grave – tanto pela ilegalidade quando pelas dramáticas conseqüências – é a limitação do prazo de duração do auxílio pago a trabalhadores afastados por doença, instituída em 2005.
... e sangria
Numa aparente incoerência com tamanho zelo pelas contas do INSS, o Poder Executivo enviou ao Congresso, no dia 13/04, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 50/2007, que prorroga até o final de 2011 a Desvinculação de Receitas da União (DRU). A DRU é o instrumento que permite à administração federal usar para outras finalidades (geralmente o pagamento de juros da dívida pública) 20% da arrecadação previdenciária.
Apenas superficialmente, porém, existe contradição entre o arrocho nos gastos com o pagamento de benefícios e a legalização de parte do desvio da arrecadação. Estas diretrizes são, na realidade, complementares e destinadas ao mesmo objetivo: drenar recursos das aposentadorias para o setor financeiro e a burguesia burocrática [2]. Isto é confessado pelo próprio Planalto na exposição de motivos da PEC 50, quando diz que a vinculação constitucional do resultado da arrecadação de certos tributos (Cofins, CSLL, CPMF) ao pagamento de aposentadorias e pensões “reduz significativamente o volume de recursos livres do orçamento, os quais são essenciais para a consecução dos projetos prioritários do governo - como obras de infra-estrutura - e para a constituição da poupança necessária à redução da dívida pública”.
O que eles querem
Medidas propostas pelo PDMC:
– Rebaixamento do teto dos benefícios pagos pelo INSS a 3 salários mínimos
– Obrigatoriedade de contribuição adicional para planos privados
– Desatrelamento do piso previdenciário ao salário mínimo
– Idade mínima de 67 anos para aposentadoria
– Ampliação de 15 para 25 anos do tempo de contribuição efetiva necessário para a aposentadoria por idade
– Proibição de recebimento simultâneo de pensão e aposentadoria
– Limitação da duração das pensões
– Fim da aposentadoria rural
– Proibição do cômputo de períodos de trabalho rural para aposentadoria na cidade
– Idade mínima de 70 anos para acesso aos benefícios da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) e redução de seu valor de um para meio salário mínimo
Notas:
[1] “Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados” (Lei 8.213/91, art. 11, V, § 1º).
[2] Para caracterizar a alta burguesia brasileira (capitaneada pelos grupos industriais de São Paulo), usamos aqui este conceito de Mao Tse Tung. Burguesia burocrática é aquela burguesia dos países do terceiro mundo que, longe de estar em contradição com a dominação externa e o latifúndio, integra em posição subalterna o pacto de poder liderado por eles. Seus representantes vivem principalmente de favores do Estado e da relação privilegiada com suas estruturas.
Henrique Júdice Magalhães é jornalista, ex-servidor do INSS e pesquisador independente em Seguridade Social. Porto Alegre/RS - Email:
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henriquejm@gmail.com
Fonte: Correio da Cidadania
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