quinta-feira, agosto 30, 2007

Tudo pela impunidade

Piores do que os políticos contra os quais se empilham suspeitas de práticas ilícitas ou indecorosas são os paus-mandados que eles mobilizam para salvar-lhes a pele. O caso mais célebre foi o da tropa de choque do então presidente Collor, cujos integrantes aviltaram o Congresso com golpes baixos que, afinal, não conseguiram evitar a destituição do capo da República de Alagoas. Agora, o enredado político de quem partiu a infausta idéia da candidatura Collor, o seu conterrâneo Renan Calheiros, presidente do Senado, não chega a ter um esquadrão de igual ferocidade, nem tão numeroso. Mas os agentes acionados para limpar a sua barra - ou melhor, trabalhar por sua impunidade - compõem um grupo em relação ao qual só se pode nutrir juízos pejorativos.O principal preposto de Calheiros é o presidente do Conselho de Ética do Senado, Leomar Quintanilha, do PMDB do Tocantins. Outro é o caricato representante de Sergipe, Almeida Lima, do mesmo partido. Ele é um dos três relatores que darão hoje os seus pareceres sobre o primeiro dos processos abertos no colegiado contra o titular da Casa - o que trata dos pagamentos feitos pelo lobista de uma empreiteira, com recursos de origem incerta, à ex-amante do amigo Renan. É gente que nem se preocupa em salvar as aparências. Na semana passada, depois do depoimento de Calheiros, a portas fechadas, ao Conselho, Lima proclamou que estava convencido da sua inocência, desde o início do processo. “Nem precisava da reunião de hoje”, galhofou. Dias atrás, Quintanilha deu a sua contribuição para o vexame.Decidiu que deve ser secreta a votação, amanhã, dos relatórios sobre a representação contra Calheiros por quebra de decoro, cuja pena máxima é a cassação. Ele se aferra ao precedente da primeira votação - secreta - no Conselho, sobre as acusações dirigidas ao então senador Luiz Estevão (destituído do mandato em 2000). Tem o apoio “técnico” da secretária-geral da Mesa, Cláudia Lyra, para quem, se o voto em plenário nesses casos é secreto, secreto também deve ser o voto no Conselho. Tem lógica - não o argumento, mas a sua origem. Cláudia reteve, depois de revisar pessoalmente, a transcrição do referido depoimento de Calheiros; suspeita-se de que possa ter alterado as suas palavras. De todo modo, até o moço do cafezinho sabe que a idéia não é preservar os votantes de eventuais represálias, mas facilitar a vida dos aliados do senador. O tiro poderá sair pela culatra se der certo o estratagema da oposição, com o apoio de parlamentares petistas, para conseguir a votação aberta em alguma fase dos procedimentos. Eles, sim, têm um bom argumento: se os pareceres dos relatores são públicos, por que não haveriam de ser igualmente públicas as avaliações de seu trabalho pelos seus pares? Dois dos três relatores - a senadora Marisa Serrana, do PSDB de Mato Grosso do Sul, e o senador Renato Casagrande, do PSB do Espírito Santo - pedirão a cabeça de Calheiros. Numa votação aberta, ao que se especula, teriam o apoio de 10 dos 15 conselheiros titulares. O próprio acusado tem dado sinais de que dá por perdida a batalha no Conselho. Ele espera ganhar a guerra na votação secreta em plenário. Se conseguir isso, o Senado terá colado à sua pele uma nódoa da qual não se livrará tão cedo. Nunca se viu ali tamanha seqüência de prováveis malfeitos atribuídos a um político desde que o primeiro deles, envolvendo o lobista, foi divulgado pela revista Veja, há três meses. Os negócios com gado que dariam origem ao dinheiro repassado à ex-amante contêm vícios de cabo a rabo. Os peritos concluíram que, embora ele tivesse dinheiro para bancar tais gastos, não provou tê-lo usado com esse fim. Em compensação, apareceram indícios de contas bancárias ocultadas por Calheiros. Ainda não acabou: entre janeiro de 2004 e julho de 2005, o senador sacou R$ 178,1 mil, em 40 parcelas, de uma autolocadora de um possível laranja - um aparente empréstimo, tampouco declarado e ainda não pago. E ele ainda posa de vítima de uma armação da Editora Abril, que edita a Veja, para encobrir supostas irregularidades na venda da TVA à Telefônica, numa grotesca insinuação de que a CPI para investigar o negócio que inventou agora, à guisa de retaliação, já era projeto seu antes da primeira denúncia da revista.
Fonte: O Estado de são Paulo