Por: Helio Fernandes
Um caso envolvendo morte, documentos contraditórios e suposta invasão de terras pelo ex-rei da soja Olacyr Francisco de Moraes tramita, há quase três décadas, na Vara Cível da Comarca de Arenápolis, no Mato Grosso. Olacyr, que já capitaneou, em meados da década de 90, um conglomerado de 40 companhias, entre fazendas, armazéns, hidrelétricas, um banco e uma empreiteira, é acionado na Justiça pelo advogado e produtor Newton Zacarias do Amaral Brandão.
Ele alega que, na década de 70, teve suas terras invadidas de forma violenta por jagunços a mando do ex-rei da soja, apesar de dispor de documentação e provas testemunhais da ocupação pioneira da área.
Uma das principais reclamações de Newton, que embarga desde 1979 as sucessivas decisões da Justiça em favor de Olacyr, é a não observação dos laudos periciais, que comprovam sua posse "mansa e pacífica", por mais de duas décadas antes da invasão.
Apesar de dispor do domínio do lote "Cachoeira", conforme compromisso de compra e venda quitado, desde 1953, e a posse pacífica de outros três lotes, onde tinha plantações regulares de arroz e lá foi considerado desbravador, em janeiro de 1976 Newton Brandão teve suas terras ocupadas por homens armados que, na época, admitiram trabalhar para a empresa Pecuama - Pecuária da Amazônia S.A., então detentora de um dos maiores financiamentos do Polocentro na região, na época de propriedade de Olacyr de Moraes, e cujo suposto objetivo seria tomar à força as terras dos fazendeiros com as quais fazia divisa.
Brandão luta na Justiça para retomar suas propriedades. Entretanto, até o momento, seus documentos, testemunhas e laudos periciais parecem não ter sido suficientes para persuadir os responsáveis pelo caso de que a situação atual é irregular, "sobrepondo-se em terras legítimas de produtores que lá se encontravam há vários anos, devidamente tituladas pelo Estado na década de 1950", conforme atesta, em petição, o próprio Newton.
A imprensa, na ocasião, relatou as atrocidades cometidas durante a ocupação das terras, descrevendo os assassinatos e as barbáries sofridas pelos trabalhadores rurais da Fazenda Diamante, de propriedade do reclamante.
Desordens e mortes na década de 70
Conforme noticiado em janeiro de 1976, e registrado na região de Sucuruína, interior do Mato Grosso, na época vários jagunços armados de carabinas e revólveres invadiam fazendas, queimando casas de colonos e cometendo várias outras atrocidades, principalmente na área de Diamantino, distante 330 quilometros de Cuiabá.
Na última noite do ano de 1975, o trabalhador Gildo Montanhole, que prestava serviços braçais nas fazendas da região, sua mulher, Nerinda Xavier, a "Goianinha", e a filha Silvana, de apenas um ano e meio de idade, foram atacados por jagunços armados na volta para casa. Após intenso tiroteio, Gildo foi assassinado com vários tiros no rosto.
Nerinda, que recebeu um tiro abaixo da orelha esquerda, foi jogada dentro de uma vala sobre o corpo da criança, que nada sofreu. Por volta da meia-noite daquele dia, os corpos foram encontrados por trabalhadores que passavam no local, graças ao choro da criança que, sob o corpo da mãe baleada, quase se afogava na lama.
Newton Brandão providenciou a remoção de Nerinda e sua filha para o Hospital de Diamantino. Um dia após, o fazendeiro registrou queixa na polícia, em Cuiabá. Em seguida, foi preso Austiclino Correa, um dos jagunços participantes da emboscada, que afirmou que o assassino de Gildo fora José Justino, e que ambos trabalhavam para a Fazenda Pecuama - Pecuária da Amazônia S.A.
Novo ataque
No dia 2 de janeiro de 1976, Newton que se encontrava ainda em Cuiabá, teve sua fazenda invadida por oito homens, que seriam da polícia, comandados por um jagunço da Pecuama, e que obrigaram 15 trabalhadores a parar oito tratores e três semeadeiras, interrompendo a plantação de arroz. Segundo relato do chefe do serviço de máquinas, na ocasião, Sebastião Barbosa Neto, os homens armados afirmavam que estavam no local para limpar as terras, e que a Pecuama iria tomar conta daquelas lavouras no dia seguinte.
Sebastião disse, também, que o jagunço, líder do ataque, se passava por tenente, os ameaçava com armas e com a presença de um avião que dava rasantes na região. Outros trabalhadores relataram que foram algemados e vítimas de violência. No mesmo dia, a "polícia" e os jagunços invadiram outros ranchos, a mando da Pecuama, que segundo Newton, já configurava como réu de várias ações por invasão de terras.
O advogado Norberto Ribeiro Rocha chegou a declarar que "o mais grave é que a Pecuama invade as áreas cujos proprietários estão de posse dos documentos e cultivando a terra há muitos tempo (...) . Os jagunços da Pecuama chegam, ameaçam e muitas vezes matam, e fica por isso mesmo. Os proprietários dessa fazenda têm muito dinheiro e contam com o apoio da polícia", concluía o advogado.
Área de conflito foi titulada em 52
Olacyr de Moraes adquiriu uma área de 15.000 hectares de terras, dividida em cinco lotes e cuja disposição estaria localizada sobre as posses de Newton, segundo o laudo do perito Gilmar Pinto Cabral, e constante no processo como uma "matrícula superposta".
A partir de atos de violência e ocupação das terras, em uma tentativa de regulamentar sua situação, Olacyr deu entrada, em 1977, a uma ação de manutenção de posse da área invadida. Dois anos anos após, depois de várias tentativas extra-judiciais, Newton entrou com uma ação de embargos de terceiros, que foi ignorada pela Justiça, e permanece até hoje em tramitação.
Newton Brandão afirma que a área de conflito, e de sua propriedade, foi totalmente titulada pelo Estado do Mato Grosso nos idos de 1952-53, e devidamente localizada através de marcos naturais, especialmente, o Ribeirão Vermelho, o Km 304 da Rodovia Cuiabá-Porto e outros acidentes geográficos, enquanto os supostos títulos de Olacyr datam de 1966, os quais mencionam "Fazenda Boa Vista" e Estância Suíça", totalmente desconhecidas dos moradores da região onde se localiza a posse, e não mencionam nenhum marco natural, acidente geográfico ou qualquer identificador de localização, podendo estar em qualquer lugar.
As terras atualmente estão ocupadas por terceiros, uma vez que Olacyr as permutou. Segundo Newton, "transferiram a posse (...), numa indiscutível afronta à lei e ao direito real do requerente".
Fonte: Tribuna da Imprensa
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