Perfil Amazonense e vascaíno, Zulmar Pimentel passou por todos os postos na hierarquia da PF. É visto por colegas como um policial operacional, discreto, disciplinado e seguro no comando de cerca de 13 mil subordinados esparramados pelo país. Ao lado do diretor-geral, Paulo Lacerda, criou o novo conceito de combate à corrupção: seguir o rastro do dinheiro, organizar operações compartimentadas e prender suspeitos provisoriamente para colher provas.
Como o senhor recebeu a notícia de seu afastamento?
- Recebi com surpresa. Fiquei perplexo. Não tenho conhecimento suficiente para avaliar a motivação. As peças às quais tive acesso são muito superficiais. Não posso deixar de ficar surpreso com uma medida dessas em razão do trabalho que desenvolvemos aqui. Acredito - e o público externo pode testemunhar - que fiz um trabalho voltado para o interesse público.
Há relação entre as ações da Polícia Federal e seu afastamento?
- Não posso avaliar. Foi uma decisão de uma ministra, que é uma autoridade judiciária experiente. Ela deve ter elementos suficientes para decretar uma medida extrema dessa natureza. Eu gostaria - e a administração do departamento já solicitou à ministra - de ver as peças que motivaram o afastamento, porque é preciso instaurar um procedimento administrativo regular para apurar tudo isso. Só, então, posso avaliar. Desconheço qualquer circunstância que possa me envolver num problema dessa natureza.
O que aconteceu para que a ministra entendesse como vazamento ou violação de sigilo funcional?
- Foi um ato de rotina da administração. Substituição de superintendentes regionais foi sempre uma incumbência delegada pelo diretor-geral ao diretor executivo, tanto para comunicar quem está assumindo, como para exonerar. Havia a deliberação do diretor-geral para exonerar o superintendente no Ceará (João Batista Santana) por interesse e conveniência do serviço. E me foi paga a missão, documentada e com ordem de serviço, para ir ao Ceará tratar desse assunto. Fui comunicá-lo que seria exonerado ou até consultá-lo sobre o interesse de remoção para outra localidade.
O senhor disse ao delegado que ele estava sendo investigado?
- Em nenhum momento fui tratar com o doutor João Batista de qualquer assunto sobre investigação em curso na Polícia Federal. Primeiro, porque tenho consciência profissional de que o órgão está acima de qualquer interesse pessoal. Sempre primei por isso. Minha história no departamento revela isso. Nunca coloquei meus relacionamentos pessoais - e esse não é o caso, porque o doutor João Batista não é meu amigo - acima do interesse público.
Mas o suposto vazamento aparece no inquérito da Navalha.
- É o que estou tentando saber. Não tenho conhecimento.
Está escrito explicitamente no relatório que o senhor disse ao delegado João Batista que ele estava sendo investigado e que isso prejudicou a investigação.
- Não sei onde está escrito isso. É isso que eu quero ver, onde está escrito e quem escreveu. Isso é um relatório de informação. Alguém escreveu e vai ter de provar de onde tirou esse elemento (os indícios que supostamente o incriminam).
O senhor vê relação do caso com a sucessão do delegado Paulo Lacerda?
- Essa especulação sobre sucessão tem sido da imprensa. Nunca relacionei uma coisa com a outra. Nunca fui candidato. Se especula sobre isso porque eu, efetivamente, como diretor executivo, sou o substituto institucional do diretor-geral. Nessa condição, meu nome poderia até vir a ser cogitado. Qualquer servidor se sentiria honrado em ocupar o cargo. Ninguém iria recusar um cargo dessa importância para a instituição, ainda mais que vivemos e temos o espírito da Polícia Federal. Embora não seja candidato, essa possibilidade existe. Mas esse não é o primeiro episódio em que tentam me atingir pessoalmente.
Quem ganha e quem perde com a crise na Polícia Federal?
- Quem ganha são os acusados na investigação, aos quais são imputados fatos graves. Estão vinculando uma coisa a outra, mas as acusações contra os delegados não têm relação com a Operação Navalha. O único que pode ganhar é quem está interessado numa defesa de algum fato pelo qual seja efetivamente responsabilizado. Quem perde efetivamente é a sociedade, que pode pôr em dúvida a credibilidade do órgão por causa de uma acusação sem fundamentação. Perde a sociedade, que pode colocar em xeque esse conceito que a Polícia Federal adquiriu e que deve ser preservado. Pode até ter ocorrido erro ou algum equívoco, mas a Polícia Federal continua trabalhando firmemente no sentido de combater o crime organizado.
A Operação Navalha perdeu força?
- Não acredito. Não só essa, mas todas as outras operações vão até as últimas conseqüências. Estão vinculando uma circunstância à outra, misturando as coisas, mas não haverá prejuízos às operações em curso.
A liberdade concedida aos presos da Navalha não prejudica o combate à corrupção?
- Isso é um procedimento de rotina. A ministra decreta as prisões, que podem ser temporárias ou preventivas, e depois podem ser revistas.
O que o senhor vai fazer agora que está afastado?
- Em primeiro lugar, vamos tomar conhecimento das motivações do afastamento, para depois ver que medida tomar para reparar o dano causado. Na verdade, não é reparar, porque não pode mais ser reparado. Restabelecendo a ordem das coisas, o dano será minimizado. O dano causado jamais será reparado. Tenho 32 anos de atividade pública na Polícia Federal, de bons serviços, conduta irrepreensível e isso tudo foi colocado em dúvida e suspeição. Isso abalou profundamente minha família.
O senhor acha que a ministra pode voltar atrás?
- Pode. É um ato que pode ser revisto, mas vamos primeiro examinar o caso e ver qual a medida mais adequada. Eu não fui ouvido, não prestei qualquer informação sobre o caso. Ou seja, tem a possibilidade de a própria ministra querer me ouvir e, ao tomar conhecimento dos fatos e da forma como eles efetivamente aconteceram, revogar a medida.
A Polícia Federal caiu nas graças da população devido às operações de combate à corrupção?
- A Polícia Federal não caiu nas graças. Ela conquistou a credibilidade da opinião pública. É uma fase muito positiva porque conquistamos o respeito e a confiança da sociedade brasileira. Conquistamos com serviço imparcial, criterioso, no qual todos têm se dedicado ao máximo, superado seus limites, enfrentado grandes adversidades para realizar esse trabalho, correndo o Brasil inteiro de cima para baixo, para um combate efetivo ao crime organizado e à corrupção. Isso criou na sociedade um conceito novo de polícia, forçando as outras polícias a se adaptarem, empregando os mesmos métodos da federal. Conquistamos confiança e respeitabilidade. Recebi há pouco um telefonema de minha mulher, me informando de que uma pessoa do povo mandou para casa um buquê de flores com um cartão de solidariedade a mim. O povo está vendo.
O processo de combate à corrupção vai continuar?
- Não tem como recuar, mesmo porque alguns paradigmas foram quebrados. Algumas castas no país eram tidas como intocáveis. O crime não existia para determinados segmentos da sociedade. E hoje já está na consciência do povo brasileiro que todos são iguais perante a lei. Esse princípio agora existe.
O que falta para a polícia melhorar?
- A Polícia Federal é hoje referência como polícia para o mundo. Eu sou um dos 13 membros da Interpol, faço parte do comitê executivo para as Américas e acompanho os conceitos que as polícias têm de nós. A Polícia Federal é reconhecida por todas as outras como uma polícia de padrão eficiente. A forma como temos atacado determinados tipos de crime (corrupção, drogas, contrabando) tem servido de exemplo para as polícias mais avançadas do mundo, que têm vindo aqui acompanhar nossas operações. Demos passos largos em direção às polícias do primeiro mundo. A Polícia Federal já é uma polícia respeitada internacionalmente. Mas isso não pode nos acomodar. Temos de procurar sempre aprimorar, buscar mais treinamento, melhores equipamentos, modernizando sempre. É um processo. O que carecemos muito ainda é de efetivo. Não temos uma única superintendência no país com efetivo suficiente para gerenciar os problemas regionais. Por isso, quando fazemos uma operação de vulto, é preciso reunir pessoal de várias superintendências. O problema de pessoal ainda é sério.
A Polícia Federal aspira a uma autonomia como tem o Ministério Público Federal?
- Isso é um problema político. Dispenso meus comentários.
Fonte: JB Online
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