Laudo divulgado pelo CRA mostra que ‘maré vermelha’ gerou a proliferação, além do normal, de algas marinhas
Jairo Costa Júnior
Laudo divulgado na tarde de ontem pelo Centro de Recursos Ambientais (CRA) apontou que a mortandade de 50 toneladas de peixe na Baía de Todos os Santos foi causada pelo fenômeno natural conhecido como maré vermelha, quando há proliferação além do normal de algas marinhas. Os pesquisadores envolvidos no estudo descartaram ainda riscos de intoxicação humana no consumo de pescados retirados do litoral do recôncavo e garantiram a inexistência de perigos no banho de mar.
Segundo o estudo coordenado por oito pesquisadores de várias instituições do país, o desastre ambiental foi causado pela floração excessiva do dinoflagelado (tipo de alga) conhecido como Gymnodiniun sanguineum. “Ao contrário de alguns casos de maré vermelha, a mortandade de peixes na região não ocorreu pela liberação de toxinas, e sim, por asfixia, já que a alta densidade de algas produziu uma grande quantidade de matéria orgânica, que causou a obstrução das brânquias (órgão respiratório de animais aquáticos)”, explica um dos especialistas que assinaram o laudo, o professor Luís Proença, da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), de Santa Catarina. O professor Eduardo Mendes, pesquisador do Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e também responsável pelo estudo, afirmou que ainda não foi identificada a causa principal da floração excessiva da alga Gymnodiniun sanguineum no litoral noroeste do recôncavo baiano. Contudo, avalia o especialista, ela pode ser motivada pelo excesso de nutrientes nas águas da Baía de Todos os Santos pela ação de despejamento de esgoto ou pela “exportação” de material orgânico de manguezais da região, ou ainda por condições climáticas e oceânicas favoráveis à maré vermelha, como a ausência de chuvas típicas de março e a fraca circulação marinha.
“Ainda não podemos precisar quando é que o fenômeno vai desaparecer na região, mas asseguramos que ele está em curva descendente”, garantiu a diretora geral do CRA, Beth Wagner. Devido ao alto índice de poluição pelo despejamento de esgotamento sanitário na baía, os especialistas não descartam a possibilidade de novas ocorrências do fenômeno no futuro.
Ações - O secretário estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos, Juliano Matos, disse que o governo manterá as ações para minimizar os impactos provocados em cinco cidades do recôncavo e duas ilhas de Salvador pela proibição de pesca por 60 dias, determinada em 29 de março pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama). “Vamos continuar a distribuição de cestas básicas (até ontem foram doadas 10.300 unidades) e o seguro emergencial também será mantido”, enumerou Matos.
O superintendente regional do Ibama, Célio Costa Pinto, informou que o interdito na baía será mantido até 29 de maio – final do prazo estabelecido na instrução normativa que proibiu a pesca em grande parte do litoral do recôncavo atingido pela maré vermelha. Questionado sobre os motivos para a não liberação imediata da atividade – já que foi descartada a hipótese de contaminação química industrial –, Pinto disse apenas que o tempo é necessário para que os técnicos avaliem o comportamento do ecossistema afetado pela maré vermelha.
Beth Wagner adiantou que, apesar do consumo do pescado da baía não representar riscos imediatos à saúde humana, todos os peixes e mariscos armazenados devem ser considerados impróprios para a alimentação. “Não sabemos em quais condições eles foram guardados, se já estavam mortos ou vivos. Por isso, a cautela é necessária”, justificou. O presidente da Bahia Pesca, Aderbal de Castro Meira Filho, adiantou que o órgão do governo do estado continuará adquirindo os produtos nas comunidades atingidas para retirá-los do mercado.
***Moradores de ilhas aguardam ajuda
Flávio Costa
Não são apenas os pescadores e marisqueiras das cidade do litoral do recôncavo que passam fome e aguardam ajuda governamental. Aqueles que pescam nas ilhas soteropolitanas dos Frades e Bom Jesus dos Passos também clamam por ajuda. Na manhã de ontem, um grupo de vereadores foi à Praia de Panarama (Frades) e constatou a situação precária em que vivem os trabalhadores do mar daquela região. A prefeitura de Salvador prometeu distribuir hoje 12 mil quilos alimentos não-perecíveis à 560 famílias das duas ilhas.
Apesar de não serem atingidas pela contaminação ambiental na Baía de Todos os Santos na mesma proporção de municípios como Saubara e Santo Amaro, as ilhas de Frades e Bom Jesus dos Passos sofrem os mesmo efeitos daquelas cidades por conta da proibição da pesca decretada pelo Ibama. A impossibilidade de pescar e de se alimentar com frutos do mar leva aos pescadores desses lugares a um estado de completa miséria. Sem dinheiro, não podem comprar nos armazéns, pois os comerciantes se recusam a dar crédito. Sem comida, tem que se alimentar de peixes contaminados, o que leva a um quadro clínico de mal-estar, diarréia, entre outros sintomas.
Morador de Paranama, o pescador Ricardo Rocha Seixas não sabe quando virá ajuda. Ele e outros colegas fizeram um abaixo-assinado no qual exigem providências da prefeitura de Salvador. Seixas não terá direito ao seguro-defeso da Secretaria de Aqüicultura e Pesca pois, apesar de estar na profissão há mais de 20 dos 49 anos de vida, nunca fez o cadastro necessário para obter o benefício. “Nós não podemos comer peixe porque até urubu está morrendo, mas não temos mais como manter esta situação por mais de uma semana”, diz Ricardo.
Na Ilha dos Frades estima-se que, no mínimo, cem famílias que viviam da pesca foram prejudicadas. Além disso, o local sofre com falta de infra-estrutura – parte do píer está destruída – e o posto de saúde só funciona duas horas em dois dias na semana: terça e quarta-feira. “O médico só vem na parte da manhã e duas horas depois já foi embora. As pessoas que comeram peixe e passaram mal a gente leva direto para o hospital de Madre de Deus”, afirma o pescador Gilmar Santiago. Impossibilitado de trabalhar, ele vive dias de angústia. “Não sei o que vou dar de comer para meu filho amanhã (hoje)”.
Um levantamento feito pela Administração Regional-18 (AR-18), sediada em Bom Jesus dos Passos, identificou num primeiro momento 600 famílias atingidas que vivem diretamente da pesca. Das 560 a ser contempladas com as cestas básicas, a maioria reside nesta ilha. Mas estima-se que as famílias afetadas chegue a 3,5 mil e nisso se inclui a Ilha de Maré, que mesmo não tendo suas águas contaminadas também sofre com os efeitos da crise ambiental. “Ninguém quer comer os mariscos que pescamos porque acha que está contaminado. É pior Semana Santa da minha vida”, diz o marisqueiro Antônio Santos Filho.
Fonte: Correio da Bahia
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