quinta-feira, novembro 09, 2006

Tentação totalitária: querem policiar a Internet. Sai, peste!

Por Reinaldo Azevedo 07/11/2006 às 10:31


Já, já a ficção se torna realidade, a exemplo do notório livro "1984" de George Orwell- o olho totalitário do "Grande Irmão que tudo vê."
Cuidado: "Is watching you!"
Aqui, neste caso em particular,"Ele" está lendo você.


Se eu for portador de um TOC ? Transtorno Obsessivo-Compulsivo ? que me leve a tentar acessar todas as páginas que há na rede ensinando como se faz torta de carambola, o que o senadores Delcídio Amaral (PT-MS) ou Eduardo Azeredo (PSDB-MG) têm com isso? Por que eles não vão cuidar do seu próprio nariz? Ou não propõem mecanismos eficientes para coibir caixa dois em campanha, por exemplo? Por que isso? Porque será debatido nesta semana, na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, um projeto de lei de autoria de Delcídio que exige do internauta que se identifique para entrar na rede. A coisa seria feita de tal maneira que não existiria sigilo na comunicação por meio de computadores pessoais. É como se houvesse permanentemente alguém grampeando a sua linha telefônica. Azeredo é o relator da proposta. Pois que trate de mudar essa estrovenga.

A justificativa é meritória: ajudaria a combater os crimes na rede. É mesmo? E que tal botar um segurança para vigiar cada cidadão na rua? Afinal, como queria o poeta latino Terêncio, ?homo sum: humani nihil a me alienum puto?: sou homem, e nada do que é humano me é estranho. Se os homens matam, então haveria um assassino em mim, é isso? Sabem uma das diferenças entre as democracias dos totalitarismos: as primeiras punem crimes que você cometeu; as segundas, os que você pode cometer. A Internet é como um cabo de vassoura. Você pode brincar de cavalinho com ele ou rachar o crânio de alguém. Nem por isso vamos proibir as vassouras de ter cabo.

O projeto não se limita a extinguir a privacidade. Quer fazer do acesso não identificado crime passível de prisão: de dois a quatro anos. Imaginem só: usar dinheiro ilegal em campanha não leva o sujeito em cana. Nem mesmo o faz perder o mandato. Mas ai dele se acessar a Internet sem ordem do Estado Pai Patrão. Eu espero, sinceramente, que esse delírio autoritário seja considerado inconstitucional na Comissão de Constituição e Justiça. É bom vocês saberem que ele já foi aprovado na Comissão de Educação.

O mais fascinante dessa história é ver dois senhores legislando alegremente sobre o que não sabem. Crimes são cometidos por telefone. Proíbam-se os telefones. Crimes são cometidos com automóveis. Proíbam-se os automóveis. Adultérios são praticados sobre o sofá. Tire-se o sofá da sala para resguardar a honra da mulher honestíssima, como diria Nelson Rodrigues, e do esposo amantíssimo.

Eu sei a quantidade de barbaridades que recebo da petralhada. Se e quando me incomodarem, sei que podem ser rastreados. Mas não me ocorre impedi-los, preventivamente, de cometer um crime policiando-os. Pode parecer estranho aos senadores, mas a pessoa é, sim, livre para decidir se comete ou não um delito; o que ela não pode é permanecer impune. Entenderam a lógica da democracia?


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