Por: Villas-Bôas Corrêa
04.07.2006 | Nem a mais insidiosa má vontade pode criticar o comportamento de surpreendente bom senso e inusitado comedimento do candidato-presidente Lula ao longo da fase de delirante euforia até a catástrofe vexaminosa da seleção de Parreira e dos supercraques humilhados pela França do veterano Zidane, em provação nacional só comparável com a de 66, na Copa da Inglaterra, quando o bonachão Vicente Feola emplacou a proeza de disputar um campeonato do mundo sem escalar o time titular.
Águas passadas. O nosso presidente-candidato em campanha em tempo integral desde o começo do ano, é um confessado fanático por futebol. Se não chegou a ser um aspirante a Pelé, depois de passar pelo Senai para conquistar a habilitação para o primeiro emprego como torneiro mecânico, foi um peladeiro habilidoso, que não brigava com a bola e cumpria uma extravagante rotina com os colegas. À hora do almoço, mal soava a sineta da fábrica, a turma disparava com o pesado macacão e as botas de couro áspero para o boteco, onde cada uma tinha a sua garrafa de cachaça personalizada. Despejavam na goela dois ou três cálices de tamanho generoso da branquinha e corriam para a pensão onde se empanturravam com a gororoba farta e gordurosa. Dali, na mesma toada, corriam para o campinho de terra batida para a pelada que terminava com novo apito da fábrica, convocando os craques para o segundo turno no batente.
Tal esquema de treinamento não formou nenhum titular dos clubes que disputam campeonatos oficiais. Mas, consolidou a paixão do presidente pelo futebol e ajuda a entender o seu exemplar comportamento com a seleção do Parreira, que se encontrou na Europa para cumprir o compromisso de conquistar o hexacampeonato, considerado por todo o mundo com favas-contadas, mera formalidade para a entrega da taça ao capitão recordista Cafu.
Lula conteve-se, imagina-se com que sacrifícios. E cumpriu os ritos clássicos, sem demasias. Num dos muitos improvisos da safra de candidato foi perfeito na definição do seu relacionamento: o presidente não tem que se meter com a seleção. Desdenhou dos supostos dividendos eleitorais no caso da conquista do hexa e dos prejuízos na fatalidade de um insucesso. Em suma, precatado, vacinou-se.
Portanto não é mais do dever da isenção reconhecer a esperteza do drible nas incertezas do quique da bola.
Também não é o caso de fugir da especulação calcada na evidência. O presidente manteve a solidariedade no conforto, ao jeito de condolências, do telefonema a Parreira em cima da desclassificação. E fechou a boca.
É fácil imaginar que a moderação cederia o espaço às mais espalhafatosas expansões de entusiasmo se a seleção desembarcasse em Brasília com o caneco. Lula não chegaria ao exagero de desfilar no carro de bombeiros pelas amplas avenidas da capital. Mas, a recepção no Palácio do Planalto seria de arromba, com a multidão ocupando a Praça dos Três Poderes, foguetório, banda de música. A subida da rampa junto com os campeões, em impulso incontido de exaltação, com o boné verde-amarelo enfiado na cabeça, seria um dos momentos culminantes do espetáculo. E não faltariam as embaixadas e a troca de passes com o Ronaldinho Gaúcho, o Robinho, o Kaká.
A imagem do presidente sortudo seria explorada à exaustão nos comícios e nos programas do horário de propaganda eleitoral, com o recado à gratidão do voto.
Sem o hexa, antes mesmo de curada a ressaca da decepção e da raiva, a campanha baixa à realidade do castigo de uma das mais depressivas provações impostas ao país. O chorrilho dos escândalos é inesgotável, a cada dia abastecido por novas e arrepiantes revelações.
À mais recente, nada falta para compor o quadro perfeito, com a denúncia encaminhada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) ao Tribunal Superior Eleitoral (STE) dos nomes dos 2.900 políticos, administradores públicos, pilhados em graves irregularidades que poderiam torná-los 2inelegíveis. Logo rebatida pelo esclarecimento que a suspeita lei eleitoral permite que os acusados recorram à Justiça, o quanto basta pela permissividade da legislação frouxa para escancarar a porteira e permitir que disputem a eleição e, uma vez eleitos tomem posse e esqueçam o susto.
O presidente do TCU, Adylson Motta, em dueto com o presidente do TSE, ministro Marco Aurélio de Mello, lamenta “a falha terrível na lei que permite que um simples recurso suspenda os efeitos da decisão do tribunal” e engrosse a farra da impunidade.
Mais um para o cordão dos mensaleiros, da gangue do caixa dois, da quadrilha organizada que sacudiu o núcleo do governo e desmantelou a cúpula do PT.
Na fila, os 15 deputados federais investigados pelo STF de envolvimento na roubalheira das ambulâncias superfaturadas, em golpe típico de bandido, terão seus nomes preservados pelo religioso respeito ao sigilo. O próprio STF encaminhou a lista dos mafiosos à CPI dos Sanguessugas com a expressa recomendação do cuidado com o sigilo para não respingar lama na turma enterrada no pântano até o gogó.
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