Por: Roberto Barreto de Catende
Política, educação, bandalheira.
A taxa atual de evasão escolar em Catende deve ter caído um pouco, pois a usina está parada e os trabalhadores em geral foram dispensados, para plantar batata no terreiro que bem entenderem. Até meados de agosto, os pais e mães, doravante chamados simplesmente de PEE (Pessoas Escravizadas ao Eito) podem ficar em casa gastando a fortuna dos salários mínimos, que mensalmente acumularam durante os seis meses em que suaram no eito, e obrigar a criançada a freqüentar os bancos escolares. A partir de setembro, quando recomeça a moagem, muitos PEEs retornam aos partidos de cana levando filhos a tiracolo, embora o trabalho infantil seja legalmente proibido, e as estatísticas da fuga reencontram seus índices médios dos últimos anos, ou seja, os 20% velhos de guerra. Com seus eternos pouco mais de 30 mil habitantes, meu torrão natal fincado na Zona da Mata de Pernambuco é um dos mais bem acabados exemplos de microcosmo da bandalheira sob o lema da ordem e progresso positivista do estandarte nacional.
Na Princesinha dos Canaviais, como outrora anunciavam os alto-falantes da Voz de Catende, às margens dos imundos rios Panelas e Pirangi, adultos e crianças saem de casa às 4 da manhã, muitas vezes levando como refeição, para o dia inteiro, um cuscuz com sardinha na marmita, iguaria de sêmola moída e cozida no vapor, originária da África, assim como a escravidão. Regressam ao lar, por volta das 18 horas, como verdadeiros bagaços humanos, depois de cortar de 8 a 10 toneladas de cana sob o sol inclemente, comem uns pedaços de macaxeira cozida, banhados com guisado de acém, e trocam algumas palavras sobre a vida. Depois do boa-noite do marido e do bênção-mãe das crianças, todos desmaiam para recuperar as forças necessárias ao batente no dia seguinte, exceto a mulher, que ainda arranja forças para ver a novela.
Uma ou outra rainha do lar, graças a Deus, teve mais sorte e conseguiu tirar seu diploma de professora, embora as coisas também não estejam muito fáceis, seja para ela ou para os outros 300 professores responsáveis pelo ensino aos 2 mil alunos da rede municipal, distribuídos entre as áreas rural e urbana. No município de Catende, há mais de 8 anos que as verbas do FUNDEF, o tal Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (eita, nome bonito danado!), vêm provavelmente servindo para muita coisa, que os Prefeitos – o atual chama-se Rildo Braz - e seus Secretários da Educação não revelam, menos para ajustar os salários do professorado. Muitas professorinhas do bairro onde morei chegam a ter inveja das colegas da vizinha e modesta Jaqueira, que chegam a receber mil reais por mês, enquanto as catendenses não conseguem sair dos 400 reais mensais.
Há quem diga que as coisas não melhoram porque o atual Prefeito, que foi vereador durante 16 anos e chegou a ocupar a Presidência da Câmara, sem nunca ter feito um projeto sequer para uma fábrica de sabão, está no posto mais alto da cidade com um único objetivo: ele adora cantar “Mamãe eu quero”, aquela beleza carnavalesca de Vicente Paiva e Jararaca que o atual Ministro da Cultura zinzilulou, no Cassino de Montreux, em julho de 1978. Mas, no palco microcosmo da bandalheira, as mestras queriam que o Prefeito cantasse o quê, “Papai Noel do Nordeste”, de Billy Blanco?
Dizem os meus informantes do Ih!Bofe, instituto de levantamentos serôdios, que na canícula catendense somente os integrantes da claque dos comícios do Prefeito e os convictos amantes do esporte da bajulação, um dos mais populares do país, conseguem algum refresco para amenizar a miséria. A estes, a Prefeitura reserva um carguinho de confiança aqui, outro ali, uma terceirizaçãozinha acolá, outra alhures, e o trem segue ultrapassando as estações - do ano - até chegar ao final do mandato, quando o pega-pra-capar das campanhas retorna às ruas e a população passa a comentar quem será o próximo maquinista potoqueiro.
Engraçado é que a história do comício me pegou de calça curta - estou escrevendo de bermuda – e levou aos velhos tempos do Ginásio, quando participava dos comícios do candidato Josibias Darcy de Castro Cavalcante, um senhor risonho, simpático, agradável, amigo de todo mundo. Ele era professor de Francês e Ciências, matérias nas quais, praticamente, ninguém era reprovado. O importante era acompanhar os comícios, bater palmas, gritar o nome de Josibias e ser, posteriormente, contemplado com uma notinha boa aqui, outra ali, a dispensa de um dever de casa acolá, outra algures... Vivíamos um tempo em que aquela velha máxima já estava ajustada ao futuro: deseducai as crianças e não será preciso punir os políticos. Tanto isto é verdade que o estilo Josibias, que a molecada alienada adorava, assim como a população que o elegeu e, posteriormente, colocou seu filho Alexandre na Câmara, germinou e se espalhou.
O professor fez escola implantando, com sua sabedoria botânica, as sementes das angiospermas e gimnospermas que, no futuro, desabrochariam naturalmente degeneradas no sambado solo daquele rincão da Mata. Na época do Josibias, não existiam os recursos do FUNDEF, que seria criado pela Emenda Constitucional nº 14 em setembro de 1996 e, a partir de 1977, estabeleceria a obrigatoriedade da aplicação de 25% dos recursos resultantes da receita de impostos e transferências na educação, sendo que não menos de 60% deveriam ser destinados ao ensino fundamental. Formulada pelo governo federal com o objetivo de corrigir a má distribuição de recursos entre as diversas regiões e diminuir as desigualdades existentes na rede pública de ensino, a política pública virou piada no microcosmo da bandalheira. E vou contar uma “fundefiana”, das muitas que escutei na última vez em que lá estive, tendo como personagem o Prefeito da gestão anterior, a quem população só se referia como Neco Cotó, por lhe faltar um braço.
Com a desconfiança atormentando-lhes os miolos, alimentada pela idéia de que talvez, porventura, por acaso, o Prefeito não soubesse de nada sobre malversação ou má aplicação dos recursos, professores e professoras, certa vez, uniram forças e foram conversar com o Manoel, para saber o que estava sendo feito com a gaita do FUNDEF. Poupo ao leitor os detalhes menores do diálogo, entre discentes e a autoridade máxima do município, para ir direto ao terreno em que aquela sementinha “josibiana” frutificou às baldas. Um passarinho me contou que, no instante máximo da pressão, Neco teria dito ao grupo que estava se lixando, para qualquer tipo de punição, por dois motivos: a idade avançada, que no Brasil alivia as condenações, e a impossibilidade de receber algemas nos dois braços. Uma historinha exemplar de confirmação da prestimosidade da poesia do Billy: o que dá pra rir dá pra chorar.
Sestrosa, mantenha a calma, já vou terminar. Entenda que a coisa se prolongou um pouco dada a necessidade de mostrar que, se filho de macro micro é, basta juntar o mico da educação com o macro da tão badalada estabilidade da economia, para entender um pouco as razões da possível reeleição do Lula Picilóvi. A “elite láctea” destruiu o pouco de educação pública que possuíamos, fez o país mergulhar de cabeça no modelo “Mamãe eu quero” e agora, que beleza!, o feitiço virou contra o feiticeiro. Contudo, vamos em frente, que outro jeito não há, tocando a vida, a viola e tratando de espantar os males, cantando com o Billy Blanco: “O que dá pra rir dá pra chorar/Questão só de peso e medida/Problema de hora e lugar/Mas tudo são coisas da vida/O que dá pra rir dá pra chorar”.
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