quarta-feira, junho 07, 2006

Bruno Maranhão e o “ultraje simbólico”

Por: Rui Nogueira


Brigar com os fatos e tentar uma explicação irrealista para as evidências gritantes, daquelas que bradam aos céus, são duas das piores performances que a sociedade pode esperar de um político – figurino que assenta de maneira igualmente extravagante em um jornalista. O deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) desempenhou esse papel e tangenciou as raias do patético, na tarde desta terça-feira, em dois discursos no plenário da Câmara, bem no calor da selvageria promovida pelo Movimento de Libertação dos Sem Terra (MLST) sob a liderança do esperto vovô revolucionário, o pernambucano Bruno Costa de Albuquerque Maranhão, 66 anos.
Diante dos cacos morais e materiais da Câmara, Miro Teixeira foi ao microfone do plenário pedir aos poderes que mantivessem uma estranha “calma”, coisa que o momento exigiria. Na opinião do pedetista fluminense, manifestada depois ao Primeira Leitura, aquela baderna monumental perpetrada por umas três centenas de manifestantes travestidos de povo “não pode ser levada a sério, não pode ser tomada como ameaça ao que quer seja da ordem institucional”. Tal qual as crianças que acreditam em Papei Noel, o deputado Miro também acha que “pessoas sérias organizadas para fazer uma reivindicação justa foram atraiçoadas por uns bandidos extremados que queriam fazer provocação”. Os infiltrados roubaram a alma pura das reivindicações!
“Propaganda gratuita”O conjunto do raciocínio (!) do deputado Miro Teixeira deságua em um diversionismo grotesco, que atenta contra a democracia. A quebradeira do MLST é o de menos; o de mais é a condescendência devotada a movimentos desse tipo pelo governo Lula e por parlamentares como o pedetista fluminense. Trata-se de leniência pura. A democracia, que dispensa vivandeiras, empurra as sociedades para a encruzilhada das crises políticas quando é liderada por oportunistas e mal defendida por ingênuos.
Miro também disse ao site que boa parte do vandalismo do MLST adveio do fato de os manifestantes saberem que estavam sendo filmados. “Eles sabiam que teriam propaganda gratuita”, explicou o deputado, revelando quanto de má consciência trespassa a idéia de que menos mídia poderia ter contribuído para espetacularizar menos a manifestação, tornando-a, até, quem sabe, menos violenta. Censurando o espetáculo esquerdista dos sem-razão, acha o deputado, o ímpeto revolucionário do MLST arrefeceria!
Eu me pergunto, então, o que já não teria acontecido com este país se a mídia não tivesse dado ampla divulgação crítica a essas ações criminosas? Quantas consciências não continuariam dormitando placidamente na crença de que os movimentos apenas põem em prática cristãs e cândidas ações pela justa distribuição da terra e de combate à pobreza?
“Ultraje simbólico”O histórico do MLST desmente Miro Teixeira e permite dizer que das duas uma: ou o deputado é um ingênuo e acredita mesmo na boa-fé das reivindicações ou o deputado conhece a natureza desse tipo de movimento, mas está tentando disfarçar um ato de contemporização que atenta contra a democracia. Movimento com o senhor Bruno Maranhão no meio é farsa violenta disfarçada de reivindicação justa.
O engenheiro mecânico Bruno Maranhão, formado pela Universidade Federal de Pernambuco, é um dos filhos do usineiro Gustavo Costa de Albuquerque Maranhão, proprietário da usina Estreliana, em Ribeirão (PE), e da destilaria Laísa, no município de Escada (PE). As informações são do Sindicato dos Cultivadores de Cana-de-Açúcar do Estado de Pernambuco e foram distribuídas nesta terça por vários parlamentares. O líder do MLST é uma especialista em ações espetaculares de “ultrajes simbólicos”.
Foi assim em abril do ano passado, quando outras cinco centenas de sem-terra, que não querem terra nenhuma, invadiram o prédio do Ministério da Fazenda, em Brasília. Aos gritos de “arroz, feijão, Palocci é um ladrão”, o MLST acampou no saguão do ministério e, a partir dali, foi subindo e invadindo andar por andar. No 4º andar, os funcionários da Fazenda chegaram a montar uma barricada para evitar a passagem para o 5º andar, onde fica o gabinete ministerial – Palocci estava em São Paulo. Ao fim de quase sete horas de ocupação do prédio, que foi transformado em pocilga, o MLST deixou a Fazenda e, pela boca do líder e porta-voz Bruno Maranhão, botou os pingos nos is: tratava-se de um “ato de repúdio à equipe econômica”, de protesto contra o “ministro que corta o orçamento da reforma agrária”, mas de apoio ao presidente Lula.
Seguindo a lógica dos “ultrajes simbólicos”, Bruno Maranhão explicitou melhor o ideário por trás da ação levada a cabo no Ministério da Fazenda e disse que se tratava de uma operação ao estilo do Movimento Zapatista: “Somos os zapatistas do Brasil, fizemos uma ação inédita para chamar a atenção para uma causa legítima”. Até nisso a história em movimento pelas mãos e o miolo mole de Bruno Maranhão se repete como farsa, pois não havia ali nem nada de inédito nem causa alguma a defender. Os sem-terra, mas do MST e da Contag, já haviam feito, em outubro de 1997, a mais espetacular de todas as invasões. A vítima foi o então ministro do Planejamento, Antônio Kandir, que teve o gabinete ocupado e depredado e a mesa de trabalho ocupada por um peru atarantado, que não parava de olhar para a foto da família do ministro.
Audiência com LulaMenos de dois meses e meio depois da invasão do prédio da Fazenda, o MLST foi recebido por Lula, que não deixou de botar o boné do movimento e ainda permitiu fotos para a propaganda dos sem-terra dissidentes do MST. Ministros e assessores de Lula cuidaram de fazer o discurso-justificativa: o governo do PT não criminaliza os movimentos sociais, trata igualmente todos.
O MLST é um dos 70 movimentos que o Ministério do Desenvolvimento Agrário trata como interlocutores das reivindicações em favor da reforma agrária. Criado em agosto de 1997, durante um encontro em Luiziânia, município a 40 km de Brasília, o MLST teve desde o início Bruno Maranhão, então dirigente do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), como o mentor ideológico número um. Um ideário que se resume em resume a dois slogans: “Ocupar e resistir” e “Romper cercas e construir a liberdade”.
Oficialmente, Maranhão é membro da Executiva Nacional do PT desde outubro do ano passado, abrigado na tendência Democracia Socialista, a mesma do ex-ministro do Desenvolvimento Agrário Miguel Rossetto. Ocupa, muito apropriadamente, o cargo de secretário Nacional de Movimentos Populares. Portanto, depois da invasão do Ministério da Fazenda, tivemos:1) Maranhão premiado com audiência no Planalto, sendo recebido por ninguém menos que Luiz Inácio Lula da Silva;2) o MLST ganhou a liberação de R$ 9 milhões por supostamente representar 35 mil famílias assentadas;3) Maranhão foi eleito para o comando do Partido dos Trabalhadores, um cargo na Executiva Nacional.Apesar da intimidade explícita, alguns deputados petistas, com ar grave, pediam nesta terça, por meio de discursos e entrevistas, que Maranhão fosse expulso do PT ou, pelo menos, tirado da Executiva Nacional.
O PT não sabia?Ora, o PT entregou a Secretaria Nacional de Movimentos Populares sem saber quem era Bruno Maranhão? O PT não sabia que o MLST e Maranhão vivem disputando com o MST de Stedile o campeonato brasileiro de invasões de terras, não raro nas mesmas fazendas produtivas? O PT não sabia que o MLST até já tem uma dissidência, o MLST de Luta, criada em 2000, o que levou Maranhão a radicalizar cada vez mais seus “ultrajes simbólicos”?
O PT sabia de tudo isso e muito mais, mas precisa do MLST para fermentar o estoque eleitoral, para exibir Lula sob todos os ângulos ao mesmo tempo. Lula e o PT, repetimos pela enésima vez, são a governança e a crise, são o problema e a solução. Eles estão por trás da baderna, mas se exibem como os melhores controladores da baderna. Quem quiser que compre essa!
Quanto à violência exibida na Câmara, não há nada que um toque de cinismo ao estilo presidencial não resolva. E o MLST, que entrou arrebentando um prédio público, sabe como fazer isso. De cara lavada, Bruno Maranhão dava entrevistas pisando em milhares de estilhaços de portas de vidro estouradas e posando de vítima da “ação truculenta” dos seguranças do Poder Legislativo.
Por falar em mentira, qual era mesmo uma das principais reivindicações do MLST? Que Lula revogue logo a medida provisória que proíbe a vistoria de terras invadidas e destinadas a assentamentos da reforma agrária. Pois então, vejam só como são as coisas: a MP virou lei faz tempo porque foi editada no governo FHC, mas jamais foi usada pelo governo Lula. Do que se queixa Bruno Maranhão? Do desconforto com a democracia, o regime que o deputado Miro Teixeira defende mal ao achar que o líder do MLST não passa de porta-voz de reivindicações populares.
Embustes dessa natureza têm preço.
[ruinogueira@primeiraleitura.com.br]

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