terça-feira, maio 23, 2006

Não à corrupção

Por: Carlos Alberto Di Franco (Estado de São Paulo)

O recrudescimento da crise brasileira, com cenas próprias da pior delinqüência - flagrantes policiais de situações constrangedoras, depoimentos cinicamente falsos (emblemático o show protagonizado pelo ex-secretário do PT na CPI dos Bingos) e o gritante silêncio do presidente da República -, conduz, inevitavelmente, a uma conclusão: as instituições estão submetidas a uma estratégia programada de desmoralização. A mentira, o cinismo e a impunidade, devidamente condimentadas com o tempero do populismo, dão um caldo antidemocrático.
Recentemente, ao encerrar o seu 13º Encontro Nacional, o Partido dos Trabalhadores (PT) aprovou um documento constrangedor. Os petistas decidiram que o escândalo do mensalão não deve ser investigado no âmbito do partido neste ano, só em 2007. A agremiação da "ética na política", preocupada com as conveniências eleitorais, mandou às favas quaisquer escrúpulos éticos. Mas o cinismo foi mais longe. Por aclamação, decidiu-se autorizar o partido a fazer "alianças com partidos que integram a base de apoio do governo, bem como com partidos que não integram a base", excluindo apenas o PSDB e o PFL. Resumo da ópera: o PT do presidente Lula está renovando os contratos com o PTB de Roberto Jefferson, o PL de Valdemar Costa Neto, o PP de José Janene e, se possível, com o PMDB de José Borba. É de esperar o lançamento do mensalão 2.
Por isso, não foi de estranhar o discurso do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), ao assumir a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). "Perplexos, percebemos, na simples comparação entre o discurso oficial e as notícias jornalísticas, que o Brasil se tornou um país do faz-de-conta. Faz de conta que não se produziu o maior dos escândalos nacionais, que os culpados nada sabiam - o que lhes daria uma carta de alforria prévia para continuar agindo como se nada de mau tivessem feito." O desabafo do ministro foi premonitório. Afinal, José Dirceu, "o chefe da quadrilha" - segundo escreveu o procurador-geral da República na denúncia em que acusou a antiga cúpula do partido do presidente da República de se ter convertido numa "organização criminosa" -, é, de fato, o articulador da reeleição de Lula. O procurador-geral, homem sério e nomeado pelo próprio Lula, falou o que todos sabiam: foi instalada uma rede criminosa no coração do Estado brasileiro.
Para encerrar a lambança com chave de ouro, caro leitor, os petistas querem eleger novamente os parlamentares e líderes partidários envolvidos na crise do mensalão. Em sondagens feitas por vários diretórios municipais de São Paulo na prévia para decidir o candidato a governador, os filiados do PT indicaram, entre os preferidos a uma vaga na Câmara, João Paulo Cunha, Professor Luizinho, José Mentor (que escaparam da cassação) e o ex-presidente do PT José Genoino. O ex-ministro Antonio Palocci, que deixou o governo sob a acusação de ser o responsável pela quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa, foi o líder absoluto na prévia petista em seu reduto eleitoral, Ribeirão Preto. O presidente estadual do PT, Paulo Frateschi, disse que a direção partidária vê a participação desses personagens na eleição como uma necessidade política. "Vamos pedir para irem à luta e enfrentarem as dificuldades." Vale tudo. O fim (o poder) justifica quaisquer meios.
E o Poder Legislativo, caro leitor? A pizzaria do Congresso tem tido muita demanda. Afinal, as absolvições de parlamentares apanhados com a boca na botija começam com samba no plenário e terminam em festa animada com um bom chopinho. É triste, mas é assim. Ao invés de se empenhar para esclarecer as suspeitas levantadas contra dezenas de deputados envolvidos no esquema de compra superfaturada de ambulâncias com recursos do Orçamento da União, a Câmara reagiu à Operação Sanguessuga com ataques aos responsáveis pelas investigações. Depois de limitar a apuração interna a 16 dos 62 parlamentares citados pela Polícia Federal, líderes partidários não querem mais aceitar as listas de suspeitos por ela preparadas. Agora cobram explicações da Polícia Federal, do Ministério Público e da Justiça. As instituições estão, de fato, profundamente abaladas.
Uma democracia, no entanto, se constrói na adversidade. O Brasil, felizmente, ainda conta com um Ministério Público atuante, um Judiciário, não obstante decepções pontuais, bastante razoável (a politização do STF, por exemplo, começa a arrefecer graças à retidão da maioria dos seus integrantes e à competência da presidente Ellen Gracie) e uma imprensa que não se dobra às pressões do poder. É preciso, no entanto, que a sociedade, sobretudo a classe média, mais informada e educada, assuma o seu papel no combate à corrupção. Não tem sentido que os partidos continuem protegendo a imagem do presidente da República. Afinal, quem merece blindagem contra a corrupção é o Brasil e seu povo ordeiro e sacrificado.
As massas miseráveis, reféns do populismo interesseiro, da desinformação e da insensibilidade de certa elite, só serão acordadas se a classe média, fiel da balança de qualquer democracia, decidir dar um basta à vilania que tomou conta do núcleo do poder. Chegou a hora de a sociedade civil mostrar sua cara e sua força. É preciso, finalmente, cobrar a reforma política. Todos sabem disso. Há décadas. O atual modelo é a principal causa da corrupção. Quando falta transparência, sobram sombras.
O Brasil, caro leitor, pode sair deste pântano para um patamar civilizado. Mas, para que isso aconteça, com a urgência que se impõe, é preciso que os culpados sejam punidos. Mesmo que se trate do presidente da República.
Carlos Alberto Di Franco, diretor do Master em Jornalismo, professor de Ética e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor da Di Franco - Consultoria em Estratégia de Mídia

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