Por: Josué Maranhão (Ùltima Instância)
BOSTON – Em mais de dois anos em que ocupo este espaço três vezes por semana, somente tratei de um mesmo assunto mais de uma vez quando as circunstâncias o exigiram. No entanto, não é o meu propósito. Para hoje, aliás, tinha em minha lista de espera alguns temas interessantes, figurando em primeiro lugar a bizarra “Guerra da Bolívia” e seus desdobramentos. Todavia, vejo-me compelido a reabordar o terror que tomou conta da cidade de São Paulo, até o início desta semana. O faço, notadamente, por dois motivos: (1) O espanto, melhor dizendo, a estupefação com que tomei conhecimento de algumas nuances do relacionamento entre governo e bandidos e (2) Também a estupefação e o pasmo com que, internacionalmente, foi encarada a inusitada situação ocorrida na maior cidade do Brasil e que figura em todos os rankings como a quarta maior metrópole do mundo. Em várias partes do mundo, nas maiores cidades, ninguém entendia o que ocorria em São Paulo e não foram poucas as pessoas que fizeram contato comigo para saber: como é que uma “gang” (assim dizia a imprensa internacional) de dentro de presídio, pode impor o pânico, o terror, toque de recolher, em uma cidade do tamanho de São Paulo?Na realidade não era imotivado o espanto. Afinal o mundo conhece casos inúmeros em que grupos armados, guerrilhas, insurgentes (como em Bagdá), rebeliões populares, levantes e assemelhados, ocupam e tomam conta das rédeas de uma cidade e fazem o que ocorreu em São Paulo,ou mais. Mas, o que deixou todos atônitos foi o fato de dizer a imprensa que um grupo de bandidos recolhidos em presídios havia determinado a ocupação de uma cidade, o enfrentamento das forças de segurança, a paralisação do comércio, o toque de recolher, escolas fechadas e ônibus incendiados. Como, o que, por que, foram algumas das perguntas que escutei.Não foi fácil explicar àqueles que me perguntaram. Confesso até que escondi alguns detalhes, com vergonha, como brasileiro, de revelar o que de fato tinha ocorrido. Além disso, muita coisa eu próprio não sabia. Afinal, não me lembro de que, enquanto vivi no Brasil, tais descalabros tenham jamais ocorrido, a não ser no Nordeste, no início do Século passado, quando Lampeão e o seu bando invadiam pequenas cidades. Ao que parece, embora as negativas das autoridades, inexistem dúvidas quanto ao fato de que tudo somente terminou quando os bandidos do PCC concordaram em aquiescer com os pedidos das autoridades acovardadas, obviamente depois de atendidos na chantagem. Aí está uma prova da falência total e absoluta do Estado, no que se refere ao cumprimento de uma obrigação básica, que é garantir a segurança da população. Não garante, é incompetente e impotente e, o que é pior, precisa se humilhar perante bandidos, para que o terror termine. Há, ainda, outros detalhes que não consigo entender, por maior esforço que faça.Por exemplo, como a autoridade governamental concorda, aceita e permite que bandidos desfrutem do produto do crime, devidamente autorizados pelo agente público. Foi o que li. Veja-se:
“O secretário da Administração Penitenciária, Nagashi Furukawa, admitiu nesta terça-feira que permitiu a entrada de televisores para serem instalados em áreas comuns das penitenciárias do Estado. Essa era uma das reivindicações apresentadas pelo Primeiro Comando da Capital. O PCC comprou 60 aparelhos. Eles devem ficar na área comum das prisões como se fossem telões para que os presos possam assistir aos jogos da Copa do Mundo”.Pelo que entendo, o secretário que administra os presídios paulistas tem o desplante de confessar, desavergonhadamente, que compactua com o crime. E, o que é pior, continua impune, lépido e fagueiro, em seu cargo. Sim, a expressão é forte, mas é a realidade. Então ele admite que autorizou que uma gang de bandidos instale em recinto do Estado, aparelhos de TV adquiridos com dinheiro ilícito, certamente, produto de roubos, furtos, assaltos, seqüestros, etc., etc. Sim, não pode ser diferente. Ou será que o secretário imagina, em doce inocência, que o PCC é uma entidade legalmente constituída, com registro na Junta Comercial, CNPJ e endereço, que desenvolve alguma atividade empresarial, aufere lucros e, dessa forma, tem recursos para comprar 60 aparelhos de televisão?Aqui vai uma sugestão: os moços enfatiotados do Ministério Público, tão ciosos, muitas vezes, em procurar pelo em ovo, não concordam que deveriam apurar a responsabilidade criminal do Secretário? Isso também atrairá flashs e holofotes, como eles gostam, para aparecer na mídia. Outro detalhe que chama a atenção. Teriam as autoridades governamentais concordado com a exigência dos bandidos, quanto às visitas íntimas. O número de visitas será aumentado. O que explica ou o que justifica que no Brasil as autoridades admitam que bandidos de alta periculosidade, assassinos, assaltantes, seqüestradores, autores dos chamados crimes hediondos, tenham direito às visitas íntimas?Certamente, entendem as autoridades que os bandidos precisam, como todo animal, satisfazer suas necessidades sexuais. O que será que entendem as autoridades quanto às vítimas dos bandidos que, por conta dos crimes por eles cometidos, ficaram privadas do atendimento àquelas necessidades?Há, ainda, um agravante. A imprensa divulgou que o bandido chefe da gang que comandou o terror em São Paulo, além de outras mordomias que usufrui, por conta do pânico que provoca nas autoridades, é regalado com atendimento especial. A sua esposa pode chegar para as tais visitas íntimas, depois do horário estabelecido para as demais mulheres, mas não sofre qualquer restrição: entra e lá fica na cela do bandido, suponho que no bem bom, por muito mais tempo do que as outras. Não termina aí: além da esposa, é permitido àquele bandido receber visitas íntimas de amantes, as ditas teúdas e manteúdas, bem como de prostitutas, conhecidas de quantos administram o presídio. Não se cansem: existem ainda outras regalias de que desfruta o bandido-chefe do PCC: lhe é permitido, também, receber comida de restaurantes. Como parte do tratamento diferenciado que ele impõe e as autoridades covardemente aceitam, ele não participa das revistas que periodicamente são feitas em todos os detentos. Habitualmente, todos eles se enfileiram nus, agachados, de costas para a polícia, para que seja verificado se escondem alguma coisa entre as nádegas. Podem dizer que isso é humilhante. Mas, todos se submetem. Por que o bandidão não aceita e lhe é permitido não participar? O que explica a exceção, a não ser a covardia?Por último, para se consumar o acordo humilhante imposto às autoridades, foi aceito que não fosse adotado o RO – Regime de Observação, quanto aos presos transferidos para presídios de segurança máxima e também foi aumentado o número de visitas permitidas de advogados. Arremato, trazendo duas transcrições, sem comentários, deixando que os leitores façam livremente suas ilações. A primeira é o fecho do manifesto lançado pelo PCC, em meados desta semana e divulgado pela imprensa:
“Porém é importante salientar que nós sentenciados somos seres humanos com anseios, sentimentos e esperanças. Não queremos nos eximir de nossas culpas e atos. Porém desejamos que não nos seja tirado o direito de sonhar, ter esperança de uma vida melhor. E sermos tratados com dignidade e respeito".O outro é um trecho do artigo de autoria do professor Pedro Estevam Serrano, publicado aqui em Última Instância, na quarta-feira, dia 17, sob o título Crime Organizado e Defesa dos Direitos Humanos:
“A luta pelos direitos humanos na contemporaneidade não se limita a exigir do Estado a preservação dos direitos fundamentais das pessoas e grupos sociais. Trata-se de exigir a observância desses direitos por qualquer organização humana (empresas, redes comunicativas, ONGs, oligopólios etc). Não há como ficarmos calados face ao crime organizado como foco das maiores ofensas a esses direitos das pessoas e da população como um todo. Os dias de pânico em São Paulo o demonstraram.Obviamente o Estado não fica isento de suas responsabilidades nessas afrontas, por duas razões que se complementam: primeiro pelo comprometimento corrupto de uma parte de seu aparelho burocrático com estas facções criminosas, traduzindo-se em braço delas no interior do Poder Público e, segundo, pela inação de nossos governantes face às agressões perpetradas por esses facínoras”.
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