Por: Dora Kramer
Se a crise política e os escândalos de corrupção não atingiram de maneira definitiva a imagem pessoal do presidente Luiz Inácio da Silva, a mesma segurança o mundo político não tem em relação aos efeitos que a crise da Bolívia pode provocar.
Entre os especialistas em estratégia eleitoral e pesquisas de opinião, ninguém sabe ao certo se Lula sairá enfraquecido ou se poderá acabar até fortalecido por sua condução no episódio.
A contar pelo cenário de perdas políticas no terreno internacional, resultantes da atitude entre perplexa e hesitante do governo brasileiro frente aos repetidos desaforos de Evo Morales, a hipótese do fortalecimento parece absurda.
Em princípio, o caso tem tudo para render prejuízos ao presidente. Não necessariamente no tocante a resultados eleitorais. Mas parece quase impossível que a percepção popular a respeito do desempenho de Lula como chefe de Estado, defensor dos interesses da Nação, não seja afetada negativamente.
Essa primeira e genericamente disseminada impressão pode vir a se revelar a expressão da verdade nas próximas pesquisas. "Ou não", pondera o sociólogo e consultor na área de comunicação política Antonio Lavareda Filho.
Lavareda trabalha há anos com o PFL, fez análises periódicas para o governo Fernando Henrique Cardoso e continua prestando serviços ao PSDB.
Se fosse hoje antecipar o quadro de perdas e ganhos para seus clientes da oposição, o sociólogo diria que é cedo para registrarem a patinada inicial do governo brasileiro na conta das vitórias políticas dos adversários de Lula.
"Primeiro, porque prejuízo concreto mesmo só haveria se houvesse também um malefício direto à população, como aumento de preço ou falta de gás e isso o presidente já garantiu que não ocorrerá."
Antonio Lavareda lembra que a crise de energia no governo Fernando Henrique Cardoso só se transformou num problema político/eleitoral para o presidente porque houve o racionamento. "Se não fosse o apagão, o debate ficaria restrito às questões da matriz energética, não haveria a materialização da crise."
Em segundo lugar, Antonio Lavareda não descarta a possibilidade de Lula "zerar o jogo". E com a ajuda do próprio Evo Morales.
"Lula tem se mantido como a grande mão estendida à Bolívia. Foi um grande eleitor de Morales e, quando se mantém cauteloso na reação, na verdade ele está evitando se auto-incriminar. Não pode assumir que não foi cauteloso, para dizer o mínimo, ao abrir o Palácio do Planalto como palanque do candidato que depois viria a se voltar contra o Brasil."
Lavareda supõe que, mesmo recuando um pouco no tom, Evo Morales vá se manter no exercício das bravatas nacionalistas até julho para conseguir apoio ao seu plano de eleger 70% dos integrantes da Assembléia Constituinte. E até lá, acredita o sociólogo, Lula vai ficar em estado de amena ambigüidade "para ajudar o amigo e para não reconhecer que fez bobagem".
Depois disso, ele acha que a situação se inverte. "Será a vez de Evo Morales ajudar o amigo Lula ressaltando a importância de o Brasil ser conduzido por um presidente sensível aos problemas da América Latina, o único capaz de administrar com competência problemas delicados e evitar que eles desestabilizem as relações na região."
Nesta hipótese, Lula sairia aos olhos da população como um exímio gerente de crises políticas.
Esse cenário favorável não é necessariamente, diz Lavareda, uma expressão fiel da realidade futura. Mas, segundo ele, os dados à disposição autorizam concluir que Lula trabalha com este quadro: diante do inevitável, tenta uma saída estratégica, ajudando Morales na sua política interna agora na esperança de ser ajudado por ele mais à frente.
E o sentimento de indignação nacional com a humilhação internacional?
"Este se revolve nos campos da Alemanha, no futebol, onde o brasileiro trata de seus problemas com a auto-estima."
Dois outros especialistas em pesquisas, Marcos Coimbra, do Vox Populi, e Ricardo Guedes, do Sensus, na semana passada também faziam a análise de que os ocasionais prejuízos da crise da Bolívia guardam relação direta com as conseqüências do caso sobre o dia-a-dia da população.
Mas ambos avaliam que se o presidente for percebido como um chefe de nação inepto na defesa dos interesses nacionais, isso pode sim vir a ter efeito eleitoral negativo.
Todos concordam que é cedo para um diagnóstico preciso. Até porque as pesquisas de opinião realizadas por encomenda de políticos nos Estados não registraram alterações nos índices de popularidade do presidente da República nos últimos dias.
(*) Fonte: O Estado de São Paulo 14/5.
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