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quarta-feira, junho 01, 2022

Maioria rejeita bandeiras pró-armas de Bolsonaro




Datafolha aponta que 71% discordam que "sociedade seria mais segura se pessoas andassem armadas". Sete em cada dez também rejeitam facilitar acesso às armas e ideia de que "povo armado jamais será escravizado".

A maioria dos brasileiros rejeita as principais bandeiras pró-armas do presidente Jair Bolsonaro. Pesquisa Datafolha divulgada nesta terça-feira (31/05) aponta que sete em cada dez brasileiros discordam da ideia de que armas trazem mais segurança para a população.

O levantamento do Datafolha envolveu três perguntas, que abordam diretamente ideias defendidas pelo presidente de extrema direita. Questionados sobre a frase "a sociedade seria mais segura se as pessoas andassem armadas para se proteger da violência", 72% dos entrevistados discordaram. Apenas 26% concordaram com a ideia. Ainda na campanha eleitoral, Bolsonaro defendeu flexibilizar o acesso a armas de fogo para que, segundo ele, a população pudesse "se defender".

Segundo o Datafolha, o percentual de rejeição às armas é maior entre mulheres (78%), entre pessoas que se autodeclaram pretas (78%) e entre aquelas que recebem até dois salários mínimos (75%). A ideia de que "armas trazem mais segurança", porém, encontra mais aceitação entre brasileiros do sexo masculino (32%), da região Norte (33%) e com renda familiar superior a dez salários mínimos (37%).

Os entrevistados também foram confrontados com a frase "é preciso facilitar o acesso às armas". Neste caso, 71% discordaram e apenas 28% concordaram.

Por fim, o Datafolha submeteu um dos bordões do presidente Bolsonaro: "o povo armado jamais será escravizado", que o presidente já repetiu em várias ocasiões. Mais uma vez, essa bandeira do presidente também é rejeitada pela maioria dos brasileiros. Segundo a pesquisa, 69% rejeitam a afirmação. A discordância é novamente maior entre mulheres (73%) e entre pessoas autodeclaradas pretas (73%).

Apenas 28% dos brasileiros concordam com o presidente nesta questão. O  percentual é maior na região Norte (40%) e entre pessoas com renda superior a dez salários mínimos (41%).

Em seu governo, Bolsonaro publicou uma série de medidas para facilitar o acesso a armas de fogo, mesmo com a oposição da maioria dos brasileiros.

Alguns dos projetos iniciais do presidente previam até mesmo o acesso facilitado a fuzis de assalto pela populacao, tal como ocorre nos EUA, país que Bolsonaro já se referiu várias vezes como "um exemplo" em relação a armas de fogo - ignorando que o número de homicídios por arma de fogo na sociedade americana é colossalmente superior ao de outras nações desenvolvidas.

Em dezembro de 2019, antes mesmo da posse de Bolsonaro, o Datafolha já havia apontado que seis em cada dez brasileiros afirmavam que a posse de armas deveria ser totalmente proibida, pois "representa ameaça à vida das pessoas”.

Deutsche Welle

'Mamata card': Bolsonaro é xingado ante excesso de folgas, férias na praia e motociatas




[Bolsonaro] Excesso de momentos de lazer nos horários de trabalho

Pablo Rodrigues - A "Folha de S. Paulo" decidiu contar quantos dias de férias e folgas Jair Bolsonaro já tirou em seus três anos e cinco meses de Presidência. A contagem de regalias está deixando muita gente revoltada. Já ouviram falar no "mamata card"?

A reportagem do jornal, publicada no dia 29 de maio, traz uma lista extensa – e precisa – de quantas vezes o presidente da República, Jair Bolsonaro, decidiu "curtir a vida adoidado" com feriadões, folgas autoconcedidas e dias de expediente normal convertidos em lazer.

Partiu feriadão?

Segundo o jornal, ao todo, Bolsonaro já pegou 15 férias e feriadões fora de Brasília. Para os amantes de futebol, a lista de vezes que o presidente viu de camarote partidas do Flamengo, Botafogo, Palmeiras e Santos, por exemplo, é de dar inveja. Sem contar em jogos de seleções! Foram 15 partidas imperdíveis.

E para felicidade de quem gosta de um passeio de moto ou a cavalo, o presidente da República já participou de 33 eventos como esses em seus três anos e cinco meses de poder.

Se compararmos as folgas do capitão reformado do Exército com as dos ex-presidentes petistas Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, então temos uma quantidade bem mais modesta dos últimos dois: Lula com três folgas e Dilma com sete.

As regalias de Bolsonaro foram contadas, e as perguntas vieram à tona de brasileiros, que passaram a chamá-lo de "vagabundo da República" e indagar a existência de um "mamata card" no Twitter. 

Sputnik Mews / Jornal do Brasil

Guinada colombiana - Editorial

 




Ex-guerrilheiro e populista vão ao 2º turno, em derrota das forças tradicionais

Realizado no domingo (29), o primeiro turno do pleito que escolherá o novo presidente da Colômbia foi marcado pela rejeição, por parte expressiva dos eleitorado, do establishment político que vem governando o país nas últimas décadas.

Trata-se de um desfecho que não chega a surpreender. O descrédito dos partidos tradicionais e a crescente insatisfação popular, acentuadas durante a pandemia, tornaram-se patentes no ano passado, quando imensos protestos disparados por uma proposta de reforma tributária incendiaram diversas cidades colombianas.

Direcionado agora às urnas, esse anseio por mudanças deu ao ex-guerrilheiro Gustavo Petro a liderança na corrida eleitoral. Com cerca de 40% dos votos, ele confirmou as expectativas e agora busca tornar-se o primeiro presidente esquerdista do país.

A surpresa ficou por conta de seu contendor, o populista Rodolfo Hernández, que, numa ascensão vertiginosa, desbancou nos últimos dias o candidato da direita tradicional, logrando 28% dos sufrágios.

Embora os dois candidatos representem um voto de repúdio à política tradicional colombiana, a trajetória e as ideias de ambos não poderiam ser mais diferentes.

Disputando a Presidência pela terceira vez, Petro integrou o grupo rebelde M-19, que depôs as armas em 1990. Percorreu desde então uma carreira política exitosa, tendo sido eleito senador e prefeito da capital do país, Bogotá.

Suas principais propostas estão em torno de uma reforma econômica, incluindo a renegociação de tratados de livre comércio e investimento na economia verde. Ele promete também acelerar a implantação do acordo que resultou no fim das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia.

Hernández, por sua vez, é um rico empresário que já governou a cidade de Bucaramanga. Tendo como plataforma básica acabar com a corrupção na política, o populista fez uma campanha centrada em bordões disseminados pelas redes sociais —e não à toa é comparado a Jair Bolsonaro e Donald Trump.

Numa eleição considerada a mais tensa das últimas décadas, marcada por episódios de violência e ameaças de morte contra candidatos, analistas preveem uma disputa renhida nas próximas três semanas, com as forças à direita se aglutinando em torno de Hernández.

O cenário prenuncia desafios para a governabilidade, qualquer que seja o vencedor do pleito.

Folha de São Paulo

A alquimia dos gurus e falsos filósofos




É através da linguagem que se afirmam coisas sobre o mundo dos fatos e dos valores. A mesma linguagem que produz Ciência também pode produzir superstição e filosofias extravagantes. 

Por Celina Alcântara Brod (foto)

Vamos morrer. Não é uma hipótese ou probabilidade, é fato bruto. No entanto, não sabemos lidar com a certeza da finitude, nem sabemos o que fazer enquanto a Dona Morte não vem. O que fazer entre aqui e lá? Como preencher esse espaço que se pretende intervalo? A vida humana apresenta uma ambivalência desconcertante, a beleza divide espaço com o sofrimento, amor e ódio disputam com igualdade de forças a atenção das nossas mentes. Como escreveu Albert Camus, ao debruçar-se sobre o mito de Sísifo: “a felicidade e o absurdo são dois filhos da terra”. É diante destes contrastes que a pergunta socrática se torna inevitável: “como devemos viver?”. E, como toda pergunta, ela parece exigir uma resposta e essa reposta sugere a existência de um caminho, um manual da felicidade que nos diga o que é uma boa vida e o que precisamos fazer para vivê-la.

Mas se eu não sei esse caminho, quem sabe? Se a vida apresenta bifurcações e é cheia de valores distintos, como saber meu lugar no mundo? Estamos aqui diante de um sentimento universal, afinal, para provar da solidão que acompanha a angústia e o falatório das incertezas basta estar vivo e saber que se vive. Quem, portanto, negaria a confusão que habita cada humano? “Vamos lá, me dê um caminho”, “o que devo fazer?” “Como devo preencher meu tempo?” “Em qual lugar buscar os meus deveres nesse mundo onde a realidade e a ilusão se confundem?” Essas são perguntas que martelam a consciência, fazendo nosso eu imergir em sentimentos de insignificância, impotência e desamparo.

Somos ignorantes quanto a maioria dos fatos e as coisas que nos rodeiam, nossa ignorância sobre escolhas certas é uma entre tantas. O conhecimento que adquirimos pela nossa própria experiência é raso e pífio. Mais da metade do que sabemos veio de livros, filmes, jornais, especialistas, professores ou parentes. Em diversos assuntos é simplesmente insensato pensarmos por conta própria, uma vez que dependemos do conhecimento de especialistas para acreditarmos em afirmações das quais não temos evidência direta nem ferramentas para checar a verdade.

Se eu acredito que vacinas são capazes de proteger meu organismo de vírus mortais, isso se deve ao fato de eu acreditar em autoridades no assunto, pois desconheço o funcionamento de vacinas. O bom leigo é aquele que admite sua inferioridade intelectual sobre assuntos que não domina. Dependemos epistêmicamente uns dos outros, como bem observou o filósofo John Hardwig[1], “as vezes é irracional pensarmos por nós mesmos….boa parte da nossa racionalidade apoia-se na confiança”. Somos autoridades originais apenas sobre as experiências que testemunhamos em primeira pessoa. Verdade seja dita: nosso universo epistêmico é bastante limitado e estreito.

Em contrapartida, a piscina do conhecimento cresceu, a tecnologia avançou e nos tornamos membros de uma sociedade de especialistas, graças a divisão do trabalho e a divisão cognitiva. Nossa atual rede de cooperação permite que pessoas se concentrem na formulação de remédios e na invenção de smartphones, enquanto outras aumentam a produção de farinha. Estamos divididos em diferentes áreas para dar conta de tudo, portanto, não estamos equipados para confiar exclusivamente em nós mesmos.

Não posso, por exemplo, receitar remédios ou calcular trajetórias espaciais, tampouco posso verificar se é verdade que a velocidade da luz existe ou que fumar causa câncer. Confiar a coerência dos nossos raciocínios à uma autoridade, quando é dela que vem o conhecimento sobre determinado assunto, é tomar os meios mais adequados para se obter afirmações comprometidas com a verdade. Dentro de um contexto assim, é contraproducente encorajar aquilo que Immanuel Kant chamou de maioridade, ou seja, pensar sem a orientação de outro. Para Hardwig, este objetivo de racionalidade seria “um ideal romântico”. Afinal, não temos ferramentas para julgar o mérito, a falsidade ou a veracidade de afirmações que fogem do escopo da nossa experiência. Nesse sentido, crer no conhecimento alheio seria um requisito da própria racionalidade.

Mas será que a mesma dependência é igualmente válida quando tratamos de valores e fins humanos? A Ciência produz conhecimento sobre o mundo, pautada em como as coisas são, mas quando o assunto é como as coisas deveriam ser, ou melhor ainda, como nós humanos deveríamos agir, pensar, sentir e crer? Será que devemos confiar em uma autoridade para descobrir o que é uma boa vida enquanto a Dona Morte não vem? Será que reis filósofos deveriam estar no comando de alguma coisa, como acreditava Platão? Será que existe alguém superior e mais bem equipado para acessar uma esfera inteligível e retirar os cegos dos grilhões da ignorância?

Em um outro ensaio, publicado aqui no Estado da Arte, tratei do nascimento de seguidores. Mostrei como a influência é um fenômeno inescapável e insuprimível. Argumentei que uma autoridade moral com determinado sistema de crenças pode atrair pessoas do mesmo modo que mariposas que são atraídas pela luz, fazendo com que indivíduos se enclausurem em seitas guiadas por gurus e líderes carismáticos. Estas autoridades autodeclaradas geralmente alegam ser portadoras de algum conhecimento secreto, cujo acesso está fora das conclusões da vida comum ou inacessível aos indivíduos sozinhos. A este chamamos de gurus, mestres, líderes ou profetas.

Gurus estão por aí há bastante tempo, os sistemas de crença que eles vendem importa menos do que se imagina, o manual da felicidade pode ser composto por diversos elementos. Pode ser um cocktail que mistura filosofia e misticismo, ideologia e metafísica, yoga e aperfeiçoamento pessoal, religião e meditação ou elevação de consciência com mudança social. Seja como for, o que gera a alteração psicológica e o engajamento extremo está mais relacionado com a dinâmica de ganhos e perdas psicológicas e as mudanças cognitivas e emotivas que uma relação gurus – seguidores acarreta. As promessas de transformação muitas vezes são meras iscas para um fim oculto: interesses egoístas camuflados de nobres intenções. Líderes que instigam a servidão, que se manifesta na admiração cega e obediência irrestrita, conseguem atingir seus fins porque eles são mestres da manipulação.

A manipulação, diferente da mentira, é uma estratégia sofisticada que desvia intencionalmente a formação de crenças para um caminho previsível e desejável por aquele que a implementa[2]. Sem utilizar coerção ou persuasão racional, a manipulação se diferencia mais na forma do que no conteúdo. A forma não linguística pode contar com regulação de emoções, pressão sobre as fraquezas previamente identificadas, incentivos negativos ou atitudes que motivam fortemente a escolha dos indivíduos. O manipulador sabe que, em circunstâncias normais, as escolhas que deseja que o agente manipulado faça sofreriam resistência caso fossem colocadas de forma direta e escancarada.

Enquanto o conteúdo linguístico provoca o engajamento através de cadeias de argumentos que suscitam falsas crenças e determinadas emoções, a forma da manipulação investe em vieses cognitivos e vulnerabilidades psicológicas premeditadas pelo manipulador. Assim, o fim do agente manipulado é ignorado e pode ser manobrado de forma encoberta e sutil para uma direção contrária e nociva. Dentro da relação guru-seguidor, os indivíduos estão suscetíveis a confiar em tal autoridade em troca do conhecimento responsável pela transformação radical pessoal ou social.

Filósofos situacionistas, como John Doris, enfatizam o quanto nosso comportamento é suscetível a fatores situacionais e que até mesmo pequenos detalhes carregam a força de modificar nossas reações e sentimentos. Situacionistas chamam de erro fundamental de atribuição a noção de que possuímos traços de personalidade robustos o suficiente para sustentar um comportamento regular e previsível. O erro, segundo eles, é enxergar o caráter como o principal preditor do comportamento e minimizar a força que as influências externas podem exercer na motivação das escolhas. Se até o tom de voz ou um piscar de olhos consegue moldar nossas respostas, então não deveríamos subestimar os efeitos da interação entre gurus e discípulos, menos ainda da confiança que os últimos depositam em seus líderes.

Se alguém acredita em Fulano, necessariamente acredita que Fulano acredita no que diz e que o conteúdo da sua fala é verdadeiro e correto. Na verdade, isso deveria se chamar fé em alguém, não crença, um detalhe importante destacado por Elizabeth Anscombe[3]. Logo, acreditar em alguém está intimamente ligado ao sentimento de confiança. Contudo, como bem apontado por Annette Baier,“imoralidade também se desenvolve sob algumas formas de confiança”[4], sistemas de cooperação corruptos só funcionam porque seus membros confiam uns nos outros. No caso dos gurus, a confiança não é sobre conteúdos técnicos e especializados, como a que depositamos em um médico ou mecânico, mas conteúdos que tratam de uma nova boa vida.

A própria filosofia também pode servir de abrigo para gurus e charlatões ou, nas palavras de David Hume, falsos filósofos. Não é de hoje que a filosofia serviu de dama de companhia para superstição, entusiasmo, fanatismo e seitas, uma vez que ela mesma está preocupada com a pergunta sobre uma boa vida, uma boa sociedade e no que constitui a fonte da felicidade humana. Mas qual seria a diferença entre um verdadeiro filósofo e um falso filósofo? Para responder essa pergunta recorro a uma síntese feita por Donald Livingston[5], baseada nas obras de David Hume.

Um ato filosófico é um ato de suspensão e reflexão instigado por experiências que quebram a ordem das coisas, ocorre quando experenciamos algo que contradiz crenças estabelecidas. Toda vez que, por exemplo, nos deparamos como uma cultura estrangeira ou quando questionamos se a existência externa dos objetos é distinta ou uma representação sensorial privada. Ao teorizar sobre a realidade última das coisas, o filósofo retira-se do mundo para tornar-se espectador e questionar o modo como as coisas são, separando aparência da realidade. Seu “retorno” é marcado pela visão daquele que enxergou as coisas de um lugar privilegiado, o que acaba afrouxando a autoridade do costume como um guia legítimo para crenças.

Tal suspensão da realidade aliena o filósofo do hábito e o deixa desconfiado em relação a qualquer regra que possa vir da vida comum. Consequentemente, tradições, hábitos e formas de vida não refletidos são desprezados e interpretados como embustes e fonte de erros. Diante desse mundo errático, imperfeito e caótico, os falsos filósofos, “partindo de raciocínios puramente filosóficos”, escreve Hume, criam um mundo teórico que se opõe radicalmente ao mundo prosaico e habitual.

Assim, o falso filósofo, imerso em delírio filosófico, isto é, a pretensão de alcançar explicações últimas, derivadas apenas de cadeias de argumento, é motivado por paixões filosóficas como desprezo e ressentimento. Paixões de segunda ordem que não se dirigem contra um assunto em particular ou um caso específico que mereça ser modificado, mas contra toda a ordem habitual da vida comum. Sua imaginação suspensa, expurgada da autoridade do costume, opera a seguinte alquimia: escamoteia algum dos seus preconceitos favoritos em idealizações e modelos de imitação para nossas ações, o filósofo passa então a aplicá-las a todos os lugares e fenômenos. Como ele faz isso?

É através da linguagem que se afirmam coisas sobre o mundo dos fatos e dos valores. A mesma linguagem que produz Ciência também pode produzir superstição e filosofias extravagantes. O falso filósofo não usa a linguagem da reforma ou da investigação, mas a linguagem da total destruição ou completa renovação. Para Hume, superstição é a invocação de pensamentos mágicos e de ideias que não estão ancoradas na observação das conjunções regulares. Nesse caso, o uso da linguagem é performático, tornando sagrado ou profano determinados conceitos que, no fundo, são apenas preconceitos transformados em máximas “especiosas e agradáveis”. A partir disso, o falso filósofo reduz os múltiplos fenômenos do mundo natural a seu princípio favorito, respondendo às perguntas e interpretando as relações a partir do seu castelo teórico.

Enquanto o desprezo dá lugar ao filósofo ascético, o ressentimento dá lugar ao filósofo revolucionário. O primeiro se retira do mundo e da vida social, como fez Diógenes, já o segundo busca substituir a vida comum pela sua visão de mundo alternativa. Assim, toda e qualquer bondade ou vantagem no mundo se apaga. Não há graus de legitimidade na maneira como nossa espécie construiu suas convenções até aqui, a totalidade do hábito é desprezível, pois está fora do ideal alcançado pela total autonomia da razão. Isso explica tal modo de filosofar pode conduzir ao fanatismo, pois não há espaço para consenso quando a realidade se coloca no caminho de ordens corretas e perfeitas. Seguidores convertidos em ideais tão gloriosos não buscam ajustes e críticas específicas, mas uma transformação radical da vida comum.

É precisamente esta espécie de extravagância filosófica que gera o tipo de influência que seguidores se sentem atraídos: a crença em uma vida que promete aniquilar as impurezas e imperfeições do self ou do mundo, crença sustentada pela fé no testemunho do guru. Tudo isso oferece uma superioridade moral que é compartilhada entre aqueles que se dispõem a seguir os fundamentos dessa visão “do lugar nenhum”. O falso filósofo é, ainda por cima, um cínico, porque embora despreze a vida do vulgo, com suas trocas e modos sociais, ele não pode escapar de ser participante deste mesmo mundo. Tal hipocrisia é mascarada pela sua crença de que ele age em nome de um fundamento, o que torna as coisas ainda mais perigosas. As paixões que nascem dessa “imaginação ardorosa” e motivam as ações destes gurus-filósofos conduzem a aquilo que Hume chamou de vidas artificias.

Pessoas submersas na artificialidade destas crenças dogmáticas se afastam do uso comum da razão e da generalidade dos atos que agradam e desagradam. Seus objetivos são projeções de mentes movidas por paixões como desprezo, arrogância, orgulho e ressentimento. Não há ajustes na sociedade que possam extinguir tais paixões e qualquer crítica que seja feita ao seu castelo teórico é vista como um ataque direto a razão.

Então, o que seria um verdadeiro filósofo? Será que é aquele que se resigna e simplesmente aceita as imperfeições do mundo? Não. O verdadeiro filósofo não negará autoridade do hábito, tampouco irá se enxergar como um soberano ou árbitro superior, mas como um participante crítico da vida comum. É aquele filósofo que percorreu o caminho da dialética entre a reflexão filosófica radical e o costume, sua melancolia e delírio filosófico são superados pela inevitabilidade da sua participação costumeira no mundo. O verdadeiro filósofo reconhece os limites da teorização, o seu momento pirrônico quebra a arrogância e orgulho filosófico, porém, ele segue na busca de uma maior compreensão da natureza humana.

Ele irá submeter a realidade a constantes exames, manterá a humildade e a curiosidade em perseguir verdades. Ele leva em consideração a constatação de que a grande maioria de suas crenças, que regulam suas ações mais básicas, não provem de conclusões descoladas das convenções que o forjaram, sua própria consciência esteve amarrada a hábitos que chegaram antes mesmo da sua reflexão. A percepção desse comprometimento com o tempo e com a vastidão do conhecimento anterior a ele mesmo lhe concede a virtude da humildade e o afasta do dogmatismo.

Diante destas normas que separaram o falso filósofo do verdadeiro filósofo, podemos pensar na seguinte hipótese: se um filósofo verdadeiro é tomado como guru, sua mensagem carismática será pautada na utilidade social das reformas particulares e das críticas propostas, não na negação da realidade, menos ainda na sua pessoa como vetor ou detentor das máximas que irão conduzir a transformação. As virtudes encorajadas pelo verdadeiro filósofo irão corresponder aquilo que é útil e agradável a quem as exerce e aos outros, sendo a curiosidade filosófica, o ceticismo moderado e a prudência parte da sua conduta e mensagem carismática.

Mensagens carismáticas[6] tendem a surgir quando uma classe de pessoas percebe a opressão sofrida dentro da tradição ou contexto social que vivem e são inspiradas por líderes que ofereçam uma resposta para a pergunta: “qual é o nosso lugar no mundo?” Estes líderes atraem seguidores pela mensagem social, seu carisma é, portanto, socializado. Quando indivíduos buscam uma liberdade interior e orientação para julgar o que seria seu eu ideal no lugar do seu eu empírico, eles sentem-se atraídos por líderes personalizado que irão suprir a seguinte pergunta: Qual é o meu lugar no mundo?

Carisma, portanto, não é um fenômeno isolado, carisma é, acima de tudo, um produto da interação das pessoas contagiadas pela mensagem visionária e pelos valores manifestados pelo líder. Um líder destrutivo quer servir a si mesmo, satisfazer seus objetivos pessoais e necessidades, desconsiderando os fins de seus seguidores, já um líder positivo quer satisfazer as necessidades dos seus seguidores sem instrumentalizá-los através da manipulação.

Talvez a pergunta mais pertinente e difícil não seja sobre as diferenças entre o falso e o verdadeiro guru, mas por que precisamos deles? Diferente de necessitar do conhecimento de especialistas sobre curas, sistemas tecnológicos e vacinas, por que ansiamos por instrutores de vida? Por que as pessoas fundem seu eu a uma outra pessoa, muitas vezes a ponto de alcançar uma relação completamente simbiótica? Será que se sentem atraídas pela ideia de que alguém as liberte de suas dúvidas e temores, ou seja, de si mesmas?

Notas:

[1] John Hardwig: Epistemic Dependence, The Journal Of Philosophy, Vol.82 No.7, 19985, pp.335-349

[2] Joel Rudinow, Manipulation, The University of Chicago, 1978

[3] G.E.M Anscombe “What is it to Believe someone?”, University of Notre Dame Press, 1979

[4]Annette Baier: “Trust and Antitrust”, Ethics, Vol. 96, No. 2, 1986, pp. 231-260

[5] Donald Livingston: Philosophical Melancholy and Delirium: Hume’s pathology of Philosophy, University of Chicago Press, 1998.

[6] Stuart J.M. Weierter: Who wants to follow the leader? A theory of Charismatic Relationships based on routinized Charisma and Follower Characteristics. The University of Queensland 1997, Leadership Quarterely8 (2), pp. 171-193.

*Celina Alcantara Brod é mestre e doutoranda em Filosofia Política pelo Curso de Pós-Graduação da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).

O Estado de São Paulo

Presidente monta palanque em cima da tragédia em PE




Presidente faz campanha para seus candidatos e para sim mesmo, aparelha ministério e ataca governador

Por Maria Cristina Fernandes 

O presidente Jair Bolsonaro transformou sua visita a Pernambuco - que registrou, até a manhã de ontem, 91 mortes, 26 desaparecidos e cinco mil desabrigados em decorrência das chuvas - num palanque eleitoral em defesa de seu grupo político no Estado e de sua própria reeleição. Valeu-se ainda de sua presença na cidade para tentar remediar a imagem negativa de sua atuação na pandemia. Não faltou nem mesmo a associação da morte de Genivaldo Santos, motociclista morto em Sergipe pela Polícia Rodoviária Federal, à “bandidagem” ao lado de quem, disse ele, a “mídia sempre está”.

Depois de sobrevoar as áreas alagadas, sem pousar em nenhuma delas, o presidente deu entrevista na Base Aérea do Recife antes de voltar a Brasília. Estava acompanhado de seis ministros (Defesa, Saúde, Desenvolvimento Regional, Cidadania, Turismo e GSI) e o presidente da Caixa, Pedro Guimarães, todos de colete para dar a imagem de equipe em operação. No Recife, integraram-se à comitiva o comandante militar do Nordeste, general Richard Nunes, o prefeito de Jaboatão dos Guararapes, Luiz Medeiros, que assumiu a gestão com a desincompatibilização do titular, Anderson Ferreira (PL), candidato do bolsonarismo ao governo do Estado, além do deputado federal Pastor Eurico (PL-PE), candidato à reeleição e integrante do núcleo político local do presidente.

Bolsonaro criticou o governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), por “não ter tido a iniciativa de procurá-lo”, por não estar na base aérea (“resolveu ficar em casa apesar de a pandemia ter acabado”), evento para o qual governador informou que não foi convidado a participar, e por “fazer política” em cima da tragédia. Tradicionalmente, são os presidentes que procuram e oferecem ajuda aos demais entes federativos, em tragédias do gênero. Mas o governador Paulo Câmara resolveu não polemizar. “Não vou comentar ato político. Nosso foco está no atendimento à população e no apoio aos municípios. Estamos no meio de uma emergência, com 26 pessoas ainda desaparecidas. Toda ajuda ao povo de Pernambuco será bem-vinda”, disse, em nota.

O clima de campanha eleitoral contaminou a coletiva de Bolsonaro. A começar do anúncio de que a Prefeitura de Jaboatão dos Guararapes, vitrine da campanha do candidato do presidente ao governo do Estado, o ex-prefeito Anderson Ferreira (PL), foi a primeira a receber recursos (R$ 2,3 milhões) federais para enfrentar as chuvas. No balanço do governo do Estado de onze trechos de estradas com alagamento e deslizamento de barreiras, seis ficam no município. O ministro do Turismo, Carlos Brito, disse que estava sendo informado sobre a situação no Estado pelo antecessor, Gilson Machado, de quem foi assessor. Machado hoje é o candidato do PL ao Senado.

O presidente não informou a razão pela qual a Pasta foi incluída na comitiva além de ter um ministro pernambucano e um ex-titular candidato. O ex-ministro candidato tem sido o elo entre o governo federal e prefeitos da Região Metropolitana que buscam recursos sem a intermediação do governo estadual. Os recursos só podem ser liberados mediante decretação de estado de emergência, situação que desobriga licitação para contratação. A administração pública, em todo Brasil, está a um mês de ter novas contratações de obras e serviços públicos suspensas em função do calendário eleitoral.

O ministro do Turismo chegou ao Recife na véspera, junto com os ministros Daniel Ferreira (Desenvolvimento Regional), Ronaldo Bento (Cidadania) e Marcelo Queiroga (Saúde). Apenas o titular do MDR ligou para o governador e para o prefeito do Recife, João Campos. A comitiva foi ciceroneada por Gilson Machado, que dominou a coletiva dos ministros.

Seu sucessor não foi a única autoridade a citá-lo. O presidente da Caixa, Pedro Guimarães, cuja missão parecia ser a de defender a política habitacional do governo, paralisada desde a posse de Bolsonaro, também disse ter prestado contas de suas ações ao candidato do PL ao Senado. O clima de campanha contaminou ainda o ministro da Justiça, Anderson Torres, que, em 70 segundos, citou cinco vezes o trabalho da Polícia Rodoviária Federal - cujos agentes torturaram e mataram Genivaldo dos Santos - no socorro às vítimas das chuvas.

No Palácio do Campo das Princesas, a única autoridade presente à coletiva do presidente a ser elogiada é o general Richard Nunes, comandante militar do Nordeste. Tanto as páginas do Exército quanto a do governo de Pernambuco no Twitter postaram as fotos da reunião em que o general participou no gabinete de crise montado pelo governador. Relatos dão conta de uma relação tão boa quanto o foi com o titular anterior do CMNE e atual comandante do Exército, general Freire Gomes.

Valor Econômico

O risco de faltar diesel - Editorial




Controle de preços exigido por Bolsonaro pode dificultar importação de um produto cada dia mais caro e escasso

A extraordinária volatilidade do mercado mundial de diesel provocada pela guerra na Ucrânia, que tem forçado muitos países a substituir boa parte do gás que importavam da Rússia, se expressa na explosão dos preços e nos riscos crescentes de escassez. O Brasil importa cerca de um quarto do diesel que consome. Por precaução, por isso, a diretoria da Petrobras alertou a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) para o “elevado risco de desabastecimento de diesel no mercado brasileiro no segundo semestre” e para as incertezas a respeito da cotação do produto.

Em abril, as importações brasileiras de diesel somaram US$ 1,4 bilhão, o maior valor mensal desde novembro de 2012, quando a economia ainda crescia em ritmo intenso. Neste ano, as importações já somam US$ 3,4 bilhões e é possível que a conta suba no segundo semestre, quando o consumo aumenta sazonalmente (por causa do maior uso de máquinas agrícolas para a colheita da safra). Medidas como sanções impostas por diversos países à Rússia por causa da invasão da Ucrânia poderão ter efeitos mais fortes também na segunda metade do ano, com impacto sobre o mercado do diesel. Adicionalmente, esse mercado poderá ser afetado por uma eventual retomada da economia chinesa com o relaxamento das restrições para conter o novo surto da covid.

Desse quadro complicado, no entanto, o presidente Jair Bolsonaro só consegue ver aspectos que podem afetar suas pretensões eleitorais. Sua reação se resume à fúria com que tenta conter os preços internos dos combustíveis, ignorando a complexidade de fatores que os determinam.

Como faz sistematicamente, atribui a terceiros a responsabilidade por qualquer problema que prejudique a campanha eleitoral a que tem se dedicado desde que assumiu o cargo. Ora são os governadores, que não reduzem por sua iniciativa a tributação estadual sobre os combustíveis, ora é a Petrobras, insensível às preocupações do Palácio do Planalto com os preços pagos pelo consumidor.

Já demitiu três presidentes da Petrobras, para mostrar seu inconformismo com a gestão da empresa, baseada em critérios adequados a seus objetivos sociais e que não admitem ingerências políticas, sobretudo no que se refere a controle de preços. Mas, nessa questão, Bolsonaro é incansável. Em uma de suas manifestações recentes, disse que a Petrobras pode quebrar o Brasil se houver novos aumentos do diesel. É sua maneira de tentar mostrar à população que está preocupado com a inflação, que vem corroendo seu prestígio ante o eleitorado e se tornando um dos maiores obstáculos à sua reeleição.

Mas, para quem examine com alguma isenção o quadro do mercado mundial de derivados de petróleo, está mais do que claro que a contenção artificial do preço do diesel inviabilizaria as importações essenciais para o abastecimento interno. Em algum momento, o próprio mercado, como reação ao desabastecimento, imporia a adequação dos preços internos aos externos. Haveria uma alta explosiva, quando a eleição presidencial estará mais próxima. Bolsonaro sabe disso? 

O Estado de São Paulo

Cabral é condenado a mais 17 anos de prisão por receber R$ 78 milhões em propina da Odebrecht




Ex-governador foi acusado de ter beneficiado a empreiteira em grandes obras como o PAC Favelas, reforma do Maracanã para a Copa de 2014, e construção da linha 4 do metrô e do Arco Metropolitano.

Por Marcelo Gomes

O ex-governador do Rio Sérgio Cabral foi condenado pela 23ª vez na Lava-Jato. Dessa vez, pelo recebimento de R$ 78,9 milhões em propina da Odebrecht para beneficiar a empreiteira nas obras do PAC Favelas, da reforma do Maracanã para a Copa de 2014, da construção do Arco Metropolitano e da implantação da linha 4 do metrô.

A pena de Cabral neste processo foi de 17 anos, 7 meses e 9 dias de prisão, pelo crime de corrupção passiva.

“Negativas são as consequências dos crimes de corrupção pelos quais Sérgio Cabral é condenado, pois, além do prejuízo monetário causado aos cofres do Estado do Rio de Janeiro e da União, porque se tratou de obras envolvendo o Programa de Aceleração de Crescimento do Governo Federal, o condenado frustrou os interesses da sociedade em prol dos interesses econômicos de empresários”, escreveu o juiz federal Marcelo Bretas na sentença.

“Sérgio Cabral foi eleito para dois mandatos consecutivos de governador do Estado do Rio de Janeiro, contexto em que protagonizou gravíssimo episódio de traição eleitoral, desprezando a confiança em si depositada por milhões de eleitores”, completou o magistrado.

Com isso, as penas do governador – que está preso desde novembro de 2016 – somam 425 anos e 20 dias de prisão. Mas decisões recentes do Supremo Tribunal Federal podem fazer com que algumas dessas condenações sejam modificadas ou anuladas.

Segundo as investigações da força-tarefa da Lava-Jato do Ministério Público Federal, ao assumir o governo do Estado em 2007, Cabral instituiu como regra a cobrança de propina no valor de 5% dos contratos da Secretaria estadual de Obras. Além desse percentual de 5% exigido pelo ex-governador, o ex-secretário de Obras Hudson Braga estabeleceu a chamada “taxa de oxigênio”, que consistia em cobrança de propina equivalente a 1% dos valores recebidos pelas empreiteiras nestes contratos com o governo estadual.

Além de Cabral, também foram condenados neste processo pelo crime de corrupção passiva:

    Wilson Carlos, ex-secretário estadual de Governo – 18 anos, 11 meses e 12 dias de prisão

    Hudson Braga, ex-secretário estadual de Obras – 15 anos, 1 mês e 25 dias de prisão

    Heitor Lopes de Sousa Júnior, ex-diretor da Rio Trilhos (Companhia de Transportes Sobre Trilhos do Estado do Rio) – 9 anos e 4 meses de prisão

    Wagner Jordão, apontado como operador financeiro de Hudson Braga na Secretaria de Obras – 5 anos, 11 meses de 20 dias de prisão

G1

Embate sobre ICMS evidencia improvisação eleitoreira - Editorial




O que fica evidente na questão é a barafunda tributária e a ausência de interesse do Legislativo e do Executivo em corrigir a situação

Em mais uma de suas atabalhoadas e repentinas decisões, a Câmara dos Deputados aprovou na semana passada projeto de lei que muda as regras de aplicação do ICMS sobre combustíveis, gás natural, energia elétrica, comunicações e transporte coletivo. A expectativa dos políticos governistas é que a nova regra reduza as contas de luz e o custo da gasolina e do gás nas vésperas das eleições, ajudando o governo Bolsonaro a se reeleger. Mas o projeto de lei, agora no Senado, causa distorções nas contas públicas e expõe o erro do governo ao não ter se empenhado em realizar uma reforma tributária logo nos primeiros anos de mandato.

A Câmara criou com o projeto de lei (PL) 18/2022 um teto de 17% a 18% para as alíquotas de ICMS aplicadas sobre combustíveis, gás natural, energia elétrica, comunicações e transporte coletivo, que passaram a ser classificados como bens e serviços essenciais. Até agora, eles são considerados supérfluos, o que permite aos Estados cobrar até mais de 30% de ICMS.

A alíquota aplicada a esses itens é variável conforme o Estado. Na gasolina, por exemplo, Piauí e Minas cobram 31%; o Maranhão, 30,5%; e Mato Grosso do Sul, 30%. Na outra ponta, estão Mato Grosso, com 23%; Acre, Amazonas, Amapá, Roraima, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo com 25%. Na energia elétrica, a alíquota média efetiva, considerando isenções e subsídios, é de 21,3% de acordo com levantamento do Instituto Acende Brasil e da consultoria PwC (Valor, 26/5). A taxa nominal de ICMS varia de 17% em Roraima a 25% em São Paulo, 30% em Minas e 32% no Rio.

A salada de alíquotas reforça a importância de uma reforma tributária, agora perdida no tempo, além de causar espanto ao mostrar que há Estados que cobram por bens essenciais, como luz, alíquotas elevadas de ICMS.

Políticos e governo federal argumentam que os Estados e municípios estão com os caixas cheios e podem abrir mão de receita. Estados e municípios tiveram superávit primário de R$ 52 bilhões nos primeiros três meses deste ano, acumulando R$ 123 bilhões nos últimos 12 meses (1,4% do PIB). Um dos principais impulsionadores dos resultados positivos é a arrecadação do ICMS, já que mais de 27% dessa receita vem de energia elétrica e combustíveis, cujos preços subiram 21% e 49% em 2021, respectivamente. Combustíveis, energia elétrica e telecomunicações representam hoje 31,7% da arrecadação total de ICMS dos Estados, segundo dados do Confaz organizados pelo economista Sergio Gobetti, especialista em contas públicas (Valor, 27/5)

Os Estados reclamam da investida da Câmara e vão tentar barrar o projeto de lei no Senado ou na Justiça. O Comitê Nacional dos Secretários Estaduais da Fazenda (Comsefaz) estima queda de receita entre R$ 64 bilhões e R$ 83,5 bilhões por ano se a medida entrar em vigor, afetando também os municípios, uma vez que 25% dessa arrecadação é compartilhada com as prefeituras.

O Senado deve examinar a proposta nesta semana e parece que vai aprová-la. Em ano eleitoral, dificilmente um parlamentar vetaria medida de redução da carga de impostos e que promete reduzir as contas. Foi o argumento usado por deputados petistas na Câmara, onde o projeto de lei foi aprovado por 403 votos a favor e apenas dez contra. Instituições financeiras calculam que a inflação pode recuar até 1,5 ponto neste ano com o projeto.

Na Justiça o panorama não é promissor para os Estados. Tentar judicializar o combate ao projeto de lei do Congresso será apenas para postergar o corte. No fim do ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) modulou os efeitos de uma decisão que reduziu o ICMS cobrado nas contas de luz e serviços de telecomunicação. O tribunal entendeu que bens essenciais não podem ser tributados à alíquota maior que a padrão, hoje de 17%. A Corte colocou 2024 para a medida entrar em vigor e não há motivo para que ela não inclua combustíveis e energia entre bens essenciais, se chamada a se pronunciar.

O que fica evidente na questão é a barafunda tributária e a ausência de interesse do Legislativo e do Executivo em corrigir a situação. As iniciativas tomadas na hiperatividade atual do Congresso são embaladas em avaliações de curto prazo, “puxadinhos” para resolver apertos momentâneos do Executivo e com objetivos eleitoreiros. Na mesma linha surgem iniciativas como a “bolsa caminhoneiro” e os projetos que pretendem segurar a conta de luz depois do aumento autorizado pela Aneel. Ou como a questão do ICMS, para melhorar as chances nas eleições, jogando para frente os reais problemas e nós tributários.

Valor Econômico

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