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sexta-feira, junho 24, 2011

A qualquer preço

“A grana do tráfico das drogas, ao fim e ao cabo, não seria um capital – em meio a tanta podridão sem lastro – ‘extremamente saudável’?Afinal, não é preciso manter o Império Americano literalmente a qualquer preço?”


Impossível assistir ainda a Traffic (2000, EUA, Steven Soderbergh) – aliás, um bom filme, com uma estética interessante, além dum elenco e tanto, com Michael Douglas, Catherine Zetta-Jones, Benicio Del Toro, Don Chadle – sem esquecer Steven Bauer no papel de Carlos Ayala (pra esse ator sempre sobram os papéis dos chicanos ou foras-da-lei ou ambos, lembrando outros filmes que contracenou com Al Pacino e Richard Gere), quando, onze anos depois, constatamos que todos os principais bancos dos EUA, isto é, Wall Street, se tornaram sócios financeiros ativos dos cartéis de droga.

De forma que a guerra contra as drogas é uma fraude: ela não tem a ver com proibição, mas sim com controle. Naturalmente, quando Traffic foi filmado a coisa já devia ser assim. De qualquer forma, o espectador bem informado, ao rever a obra, sente estar fazendo papel de idiota. Bem, nem tanto. Aquele enfoque nos “valores familiares” – quando Douglas larga o cargo de “czar” das drogas pra cuidar da filhinha viciada – já era uma furadíssima ao tratar do assunto – cuja seriedade exigia que se abordasse radicalmente a questão pelos aspectos econômicos e sociais, mas o buraco já era tão mais embaixo que realmente, salvo as contramedidas estéticas, o plot do filme realmente não se salva, exceto para idiotas ou alienados ou ambos.

Segundo artigo do repórter Mike Whitney para Sin Permisso, Washington emprega a força para que os bancos possam garantir um bom lucro. Uma mão lava a outra, como ocorre com a Máfia. Isso não tem a ver com as drogas; trata-se de uma política externa louca que apoia exércitos por delegação para impor a ordem por meio da repressão e militarização do Estado policial. Trata-se de expandir o poder norte-americano e de engordar os lucros de Wall Street.

Quando eu li não sei onde que o México passou a comprar milho dos EUA (milho, pessoal, o milho é natural do México, como o café brasileiro), realmente percebi que os caras estavam literalmente perdidos. A política dos EUA para o México – a “Iniciativa Mérida” – é um pesadelo. Ela minou a soberania mexicana, corrompeu o sistema político e militarizou o país. Obteve também, como resultado, a morte violenta de milhares de civis – pobres em sua maioria. Mas Washington não está nem aí para com “danos colaterais”, desde que possa vender mais armas, fortalecer seu regime de livre comércio e lavar mais lucros das drogas em seus grandes bancos. É um lance perfeito.

Diante de tudo isso, há alguma razão para “dignificar a carnificina” chamando-a de “Guerra contra as drogas”? Não faz nenhum sentido (donde ser impossível agora assistir Traffic).

O que vemos é uma oportunidade descomunal de aumento de poder por parte das grandes empresas, das altas finanças e dos serviços de inteligência norte-americanos. E Obama segue meramente fazendo seu leilão, uma vez que ele não só incrementou o financiamento do Plano México (o tal Mérida), como deslocou mais agentes para trabalharem em segredo, enquanto aviões não tripulados realizam trabalhos de vigilância. Dá para ter uma idéia?

E este é outro capítulo da guerra norte-americana contra a civilização. A guerra contra as drogas converteu-se no veículo principal de militarização da América Latina. Um veículo financiado e impulsionado pelo governo norte-americano e alimentado por uma combinação de falsa moral, hipocrisia e terror calculista. A “guerra contra as drogas” constitui, na realidade, uma guerra contra o povo, sobretudo contra os jovens, as mulheres, os povos indígenas e os dissidentes. Essa guerra converteu-se na forma principal do Pentágono ocupar e controlar países às custas de sociedades inteiras e muitas vidas.

A militarização em nome da guerra contra as drogas está ocorrendo mais rápido do que imaginamos com a administração de Obama. O acordo para estabelecer bases na Colômbia, posteriormente suspenso, mostrou um dos sinais da estratégia. E já vimos a extensão da Iniciativa de Mérida no México e América Central, incluindo os navios de guerra enviados à Costa Rica, uma nação com uma história de paz e sem exército.

A impressão que dá é que Obama está fazendo tudo o que pode para converter o México numa ditadura militar. O Plano México é uma farsa que esconde os verdadeiros motivos do governo, que consiste em assegurar-se de que os lucros do tráfico de drogas acabem nos bolsos das pessoas adequadas. É disso que se trata: de muitíssimo dinheiro. E é por isso que o número de vítimas disparou, enquanto a credibilidade do governo mexicano caiu abaixo de zero. A política norte-americana converteu grandes extensões do país em campos de morte.

Os aviões não tripulados norte-americanos espionam os esconderijos dos cartéis e os sinais rastreadores localizam veículos e telefones dos suspeitos. Agentes localizam chamadas telefônicas, lêem correios eletrônicos, estudam padrões de comportamento, seguem rotas de contrabando e processam dados sobre traficantes, responsáveis por lavagem de dinheiro e chefes de cartéis. De acordo com um antigo agente anti-droga mexicano, os agentes norte-americanos não estão limitados em suas escutas no México pelas leis dos EUA, desde que não se encontrem em território e não grampeiem cidadãos ianques. (“Why Is the U.S. Fighting Mexico’s Drug War?”, “Por que os EUA travam a guerra contra as drogas no México?”, Laurence M. Vance, The Future of Freedom Foundation).

Isso não é política externa, mas sim outra ocupação norte-americana. E adivinhem quem ganha com isso? Wall Street. Os grandes bancos ficam com sua parte como sempre fazem. James Petras no artigo “How Drug profits saved Capitalism” (“Como os lucros das drogas salvaram o capitalismo”, publicado em Global Research) faz um resumo dos objetivos desta política: “Enquanto o Pentágono arma o governo mexicano e a DEA (Drug Enforcement Agency, a agência anti-droga dos EUA) põe em prática a “solução militar”, os maiores bancos dos EUA recebem, lavam e transferem centenas de bilhões de dólares nas contas dos senhores da droga que, com esse dinheiro, compram armas modernas, pagam exércitos privados de assassinos e corrompem um número indeterminado de funcionários encarregados de fazer cumprir a lei de ambos os lados da fronteira. Os lucros da droga são assegurados mediante a capacidade dos cartéis de lavar e transferir bilhões de dólares para o sistema bancário norte-americano. A escala e a envergadura da aliança entre a banca norte-americana e os cartéis da droga ultrapassa qualquer outra atividade do sistema financeiro privado norte-americano. De acordo com os registros do Departamento de Justiça dos EUA, só um banco, o Wachovia Bank (propriedade hoje da Wells Fargo), lavou 378.300 milhões de dólares entre 1° de maio de 2004 e 31 de maio de 2007 (The Guardian, 11 de maio de 2011). Todos os principais bancos dos EUA tornaram-se sócios financeiros ativos dos cartéis da droga”.

Se os principais bancos norte-americanos são os instrumentos financeiros que permitem os impérios multimilionários da droga operar, a Casa Branca, o Congresso dos EUA e os organismos de aplicação das leis são os protetores essenciais destes bancos. A lavagem de dinheiro da droga é uma das fontes mais lucrativas de lucros para Wall Street. Os bancos cobram gordas comissões pela transferência dos lucros da droga que, por sua vez, emprestam a instituições de crédito a taxas de juros muito superiores às que pagam – se é que pagam – aos depositantes dos traficantes de drogas. Inundados pelos lucros das drogas já desinfetados, esses titãs norte-americanos das finanças mundiais podem comprar facilmente os funcionários eleitos para que perpetuem o sistema.

De forma que – cinismos à parte – a grana do tráfico das drogas, ao fim e ao cabo, não seria um capital, uma grana – em meio a tanta podridão sem lastro – “extremamente saudável”?Afinal, não é preciso manter o Império Americano literalmente a qualquer preço?

*A escritora paulistana Márcia Denser publicou, entre outros, Tango fantasma (1977), O animal dos motéis (1981), Exercícios para o pecado (1984), Diana caçadora (1986), A ponte das estrelas (1990), Toda prosa (2002 - Esgotado), Caim (Record, 2006), Toda prosa II - obra escolhida (Record, 2008). É traduzida na Holanda, Bulgária, Hungria, Estados Unidos, Alemanha, Suíça, Argentina e Espanha (catalão e galaico-português). Dois de seus contos - "O vampiro da Alameda Casabranca" e "Hell's Angel" - foram incluídos nos Cem melhores contos brasileiros do século, organizado por Ítalo Moriconi, sendo que "Hell's Angel" está também entre os Cem melhores contos eróticos universais. Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, é pesquisadora de literatura e jornalista. Foi curadora de literatura, até outubro de 2010, da Biblioteca Sérgio Milliet em São Paulo.

Fonte: Congressoemfoco


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