Militar diz a delegado que levou vítimas a traficantes rivais para "não perder o prestígio"
Um corretivo para não perder o prestígio diante da tropa. Esta foi a justificativa que o jovem tenente capixaba, com cerca de 25 anos, deu ao delegado-titular da 4ª Delegacia de Polícia, Ricardo Dominguez, para levar os três jovens moradores do Morro da Providência, no Centro, até traficantes rivais do Morro da Mineira, no Catumbi, Zona Norte do Rio.
"Não há dúvidas que eles entregaram os jovens. A explicação do oficial é que foi um corretivo porque houve um desacato. Os jovens teriam ofendido os militares e ele os levou a um superior, que teria ordenado a liberação dos rapazes. Por conta própria e com medo de ter a moral abalada, o tenente ordenou à tropa que entregasse as vítimas ao traficantes", revelou o delegado.
Segundo ele, os militares aparentavam tranqüilidade e o tenente "não demonstrou arrependimento". Onze militares estão presos temporariamente por dez dias no 1º Batalhão da Polícia do Exército, na Tijuca. O estudante Marcos Paulo da Silva Correia, de 17 anos, e os pedreiros Wellington Gonzaga Costa, de 19, e David Wilson Florêncio da Silva, de 24, foram enterrados ontem.
Cerca de 300 pessoas compareceram ao cemitério São João Batista, em Botafogo, e, em seguida, protestaram em frente ao Comando Militar do Leste, localizado na Central do Brasil, a poucos metros do acesso ao morro da Providência. No velório, a única civil que sobreviveu à abordagem contou uma versão diferente da dos militares.
"Voltamos de táxi do baile da Mangueira. Na praça no alto do morro, fomos parados e um soldado meteu a mão no cordão do Wellington. Ele reagiu e foi agredido. Reclamamos e eles disseram que estávamos presos sem nenhum motivo. Levaram eles e me liberaram dizendo para eu ir para casa", disse M.S.O., de 16 anos.
O tenente, o sargento e um soldado disseram em depoimento à polícia que Wellington reagiu com palavrões à abordagem a um amigo e por isso os jovens foram detidos. O motivo da abordagem era o volume na cintura de um dos jovens, que era apenas um celular.
O delegado tem a informação de que houve um contato prévio entre os militares e os traficantes do morro da Mineira, um dos mais violentos da Zona Norte do Rio, dominado pela facção criminosa Amigo dos Amigos (ADA), onde a polícia entra apenas em megaoperações com mais de 100 homens.
Os moradores afirmam que pelo menos dois soldados, entre os onze militares presos, são moradores do Morro da Mineira. "No dia da morte do meu filho, um soldado me empurrou no chão e disse "sou da Mineira mesmo", disse a mãe de uma das vítimas, que colabora com a polícia nas investigações.
Em depoimento, um soldado, que mora em uma outra favela da Zona Norte do Rio, confessou ter guiado a guarnição até à Mineira, mas negou conhecer os traficantes. De acordo com o delegado, o caminhão com os 11 militares entrou no morro da Mineira.
Os militares contaram que procuraram um lugar seguro para se abrigar e que o sargento, um morador da Baixada Fluminense, há cinco no Exército, iniciou uma negociação por meio de sinais com os traficantes.
Um criminoso apareceu desarmado e levou as vítimas até os demais criminosos. A cena foi presenciada por vários moradores que confirmaram a informação a investigadores. A polícia não acredita que o fato de duas das vítimas terem passagens pela polícia seja determinante nas investigações.
Wellington, quando era menor, foi detido para averiguação e recebeu ligações de dois supostos gerentes do tráfico da Providência. David foi detido há mais de dois anos por porte de arma e corrupção de menores. Apesar da ocupação parcial do Exército no morro, investigadores revelaram que o tráfico continua atuando. O Exército só ocupou alguns pontos da favela. O tráfico apenas se deslocou", disse um policial.
Protesto
Ontem, os 75 moradores que trabalham no projeto Cimento Social na Providência pararam as atividades e fizeram um protesto no palácio Duque de Caxias, sede do Comando Militar do Leste, situado a poucos metros dos acessos à Providência. "Não há condições. Ninguém confia mais neste batalhão.
Estamos sob toque de recolher a partir de 22 horas, quando as luzes são apagadas. Alguns soldados usam drogas, espancam homens e assediam as mulheres", reclamou o encarregado da obra, Alex Oliveira dos Santos, de 32 anos. Santos, que tem um primo capitão do Exército, é simpático a presença das tropas no morro, mas afirma que o batalhão escolhido é mal preparado, pois muitos soldados moram em favelas dominadas por facções rivais e hostilizam os moradores."Eles até picham os muros com a sigla da ADA e do Terceiro Comando", lamentou. O encarregado criticou as condições precárias em que a obra acontece. "São 200 fuzis, mas apenas 20 baldes e 30 carrinhos de mão. Estamos apenas embolsando as casas e colocando telhas", disse Santos.
Fonte: Tribuna da Imprensa
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