Por: Carlos Chagas
BRASÍLIA - Nos idos de 1962 o Brasil se viu envolvido na "guerra da lagosta", episódio surrealista que levou a França a enviar navios de guerra para o Atlântico Sul, em protesto pela apreensão de pesqueiros franceses no litoral do Nordeste. As embarcações invadiam a faixa marítima brasileira quando nem estava em vigência a lei das 200 milhas.
Nossa Marinha mobilizou-se, mesmo inferiorizada para um confronto direto. Felizmente houve bom senso de lá e de cá. O então presidente João Goulart mandou liberar os pesqueiros, claro que sem as lagostas, e o general De Gaulle refluiu, sem nunca ter ficado provado haver dito a frase de que "o Brasil não era um país sério".
Já se vão quase cinqüenta anos e eis que a história ameaça repetir-se, obviamente como farsa. E com o adendo de a guerra poder travar-se não apenas com a França, mas com toda a União Européia. Uma guerra diferente, sem belonaves nem apreensões, pois travada no campo econômico. O Velho Mundo suspendeu a importação da carne bovina brasileira, alegando não estar o produto de acordo com suas normas profiláticas e impôs ao nosso governo a seleção da origem dos bois.
Como só tínhamos condições de fiscalizar o abate e a seleção em 300 fazendas, os europeus exigiram que apenas delas saíssem nossas exportações, obviamente um exagero. O ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, admitiu que certa quantidade de carne seguiu sem as especificações exigidas e procura, até hoje, através do diálogo, demonstrar a excelência dos bois oriundos de mil e uma outras propriedades. Desembarca na próxima semana uma comissão de fiscais europeus para visitar, por amostragem, algumas fazendas.
A pergunta que se faz é sobre o direito do importador de impor condições, prática geralmente aceita no mundo dos negócios. O frango exportado para a Arábia Saudita, por exemplo, segue exigências minuciosas para o abate, congelamento e demais etapas do processo. A China não admite mistura com transgênicos da soja que nos compra.
O que salta aos olhos é a prevalência dos interesses de quem importa, ainda que a via disponha de mão dupla. Porque também importamos produtos da União Européia, da Arábia Saudita e da China, como praticamente do mundo inteiro.
Caberia ao Brasil estabelecer condições para as exportações que chegam a nossos portos, abandonando a postura de subserviência por nós adotada desde o descobrimento. O diabo é calcular o prejuízo, ou seja, quem seria mais prejudicado numa hipotética queda de braço?
Aqui as coisas engrossam para nós, tanto que determinadas incoerências emergem de nosso comércio exterior. Damos prevalência à exportação de produtos que não beneficiam nossa produção. O suco de laranja, por exemplo, que somos o maior exportador mundial. Quantos brasileiros tomam um copo de laranjada no café da manhã? Quantos comem soja?
O caso do boi poderia marcar uma virada no jogo: a União Européia não quer a carne brasileira? Mas os brasileiros querem, se os preços baixarem. A produção de soja ocupa boa parte da nossa terra cultivável, sem beneficiar a população? Melhor substituir parte dela pela cultura do feijão, do milho e até do trigo, que um complexo de inferioridade e muita malandragem insistem em não cultivar.
Numa palavra, exportar é a solução, mas há limites, o maior dos quais será beneficiar a população, com ênfase para os menos favorecidos. Tudo isso se chama mercado interno. Se quiserem, desenvolvimento auto-sustentado. Se nessa luta o boi for alistado, tornando-se um soldado combatente de peso, grande vitória se conquistará na guerra pela independência do País. A União Européia que se habilite a comer carne de lagosta...
Um estranho no ninho
A semana começa com mais uma crise a atormentar os tucanos. Não se fala, hoje, da CPI dos Cartões Corporativos ou dos entreveros em torno da prefeitura de São Paulo, com parte do PSDB apoiando Geraldo Alckmin e outra parte empenhada em cumprir acordo com Gilberto Kassab.
A briga, agora, acontece em torno da performance de um estranho no ninho. Deputados e senadores que permaneceram em seus estados, assim como aqueles chegando à capital federal, espantaram-se com a virulência das críticas de Fernando Henrique Cardoso diante de um plenário de vereadores do partido, no fim de semana. O sociólogo agrediu as lideranças do PSDB ao sugerir que as bases se rebelem e não aceitem decisões provenientes das cúpulas. Falou no estabelecimento de "uma nova democracia".
Quer mudar o sistema de voto universal. Não poupou o governo Lula, esquecendo-se de ter servido de modelo para os companheiros, não apenas na política econômica, mas ate na "roubalheira". Ofendeu as próprias bancadas, acentuando que jamais farão a reforma política para não prejudicar-se.
Acionou diversas vezes a metralhadora giratória, cujo propósito parece um só: abater todos os possíveis candidatos presidenciais, de José Serra a Aécio Neves e a Artur Virgílio visando abrir espaço para sua obsessão permanente: voltar ao poder. Por isso fala mal de todos, insinuando-se como a verdadeira solução. Qualquer dia desses aparecerá, senão metralhado, ao menos todo bicado.
O presidente que veio do frio
Os percalços passados pelo presidente Lula em sua aventura ao Pólo Sul terão contribuído para uma possível metamorfose nele e no governo. Pelo depoimento de alguns integrantes da comitiva, nas prolongadas horas de ócio forçado olhando a neve pelas janelas do hotel onde se hospedou, o Lula comportou-se de modo invulgar. Pouco falou, limitando-se no máximo a mexer os lábios e, de quando em quando, alguma exclamação solitária de assentimento consigo mesmo.
Há quem preveja, ainda que sem a menor comprovação, ter o presidente aproveitado para uma espécie de revisão íntima de sua administração. Não em termos de metas, porque essas exigiriam prolongadas reuniões com montes de auxiliares, mas em termos de pessoas. O Lula é o primeiro a saber da mediocridade de parte de seu ministério.
Ministros indicados politicamente, sem a menor relação com o setor que deveriam dirigir, tanto quanto ministros nos quais acreditou, mas malograram, a verdade é que desse jeito chegará ao final de seu segundo mandato sem ter concretizado as promessas feitas. Não por ele, que justiça se faça, desdobra-se ao máximo, mas pela parcela da equipe que deixa a desejar.
Pode ter retornado a Brasília um presidente diferente, que veio do frio e, por isso, tenha-se tornado menos emotivo e mais inclinado a dispensar amigos e aliados que não correspondem às expectativas. Vale a pena aguardar por essa imprescindível mas incerta reforma ministerial.
Fonte: Tribuna da Imprensa
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terça-feira, fevereiro 19, 2008
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