Um dos expoentes da Teologia da Libertação,Leonardo Boff compara a era de Bento XVI àIgreja da Idade Média
Por Aziz filho
Um observador especial acompanha atentamente, embora longe do itinerário oficial, a andança de Bento XVI por São Paulo: o teólogo e ex-frade Leonardo Boff, hoje professor de ética, filosofia da religião e ecologia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, que figurou muito tempo na lista negra do Vaticano, enquanto o cardeal Joseph Alois Ratzinger ocupava em Roma o front no embate contra a Teologia da Libertação na América Latina, o movimento que levou o marxismo e o discurso social para os altares nos anos 70 e 80. À frente da Congregação para a Doutrina da Fé, Ratzinger impôs durante 11 meses voto de silêncio ao barbudo franciscano brasileiro, que acabaria deixando a Igreja em 1992. Casado há 15 anos com a educadora popular Márcia Miranda, com quem mora em Petrópolis, Boff, 68 anos, diz que praticamente nada mudou em sua vida desde que trocou as missas pelas pregações em prol da justiça social e da defesa do meio ambiente. Livre da clausura eclesiástica, ele mantém o espírito crítico. Muito crítico. Conta que não guarda mágoas das perseguições de Ratzinger, mas não poupa o pontífice ao lamentar, com pessimismo, a opção preferencial pela ortodoxia. “Com ele, a Igreja continua seu caminho para dentro de si mesma, sem a dimensão do diálogo que ela tinha com Paulo VI e João XXIII, sem conversar com as ideologias, com as culturas modernas, sem procurar uma verdade mais plena, que seja boa para toda a humanidade”, analisa. O teólogo compara a era de João Paulo II e Bento XVI ao fundamentalismo católico da Idade Média, quando a salvação só poderia ser alcançada dentro dos templos católicos. “A Igreja voltou a ser portadora da verdade única, fora da qual não há saída. É uma tese medieval, que vê as outras religiões como ovelhas desgarradas que devem voltar ao seio do Vaticano.”
Boff diz que não faltaria a Bento XVI capacidade para produzir um “discurso de sabedoria” que conciliasse o dogma com a renovação política. A Igreja, de acordo com ele, sempre esteve edificada sobre duas pilastras: a de Pedro, que representa a disciplina e a continuidade; e a de Paulo, que incorpora a criatividade, a ruptura. E para qual direção a Igreja será levada pelo papa que chega para canonizar o primeiro santo brasileiro 17 anos depois de ter vindo ao Brasil para enquadrar a Teologia da Libertação? A Igreja de Bento XVI, segundo ele, perderá a oportunidade de ampliar sua dimensão espiritual porque não se atualiza para estancar a perda de fiéis. “O cristianismo precisa ser bom para a humanidade no presente, não só na vida eterna. Jesus não morreu como um velho rabino na cama, de velhice, mas na cruz, brigando com as forças políticas da época”, compara.
O “fracasso” da Igreja ao não dialogar com a sociedade, em suas palavras, explica o fato de ter perdido no Brasil cerca de 20% de seus fiéis em 20 anos. Nas contas do ex-frade, o País deveria ter 100 mil sacerdotes, mas hoje esse número está em 18 mil. Boff acha que falta ao Vaticano humildade para compreender as razões desse fenômeno. “Para Bento XVI, a Igreja só tem a ensinar e nada a aprender.” O teólogo estima que no Brasil existam 80 mil comunidades de base católica e meio milhão de círculos bíblicos, além das pastorais da Terra, Saúde, Meninas e Meninos de Rua, todos movimentos que incorporaram os ideais da Teologia da Libertação. “Ao Vaticano não agrada muito essa realidade eclesiástica porque a Igreja continua sendo um patriarcado, autoritário e espiritual”, diz Boff, que encerra a entrevista dizendo que precisa desligar o telefone para jantar com a mulher. Está livre da batina e de Joseph Ratzinger.
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