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domingo, junho 18, 2006

Da genealogia do buraco à genealogia de uma moral

Por: Rui Nogueira (Primeira Leitura)

Veja como o governo foi usando a superfície lunar das estradas brasileiras como elemento, a um só tempo, de propaganda e de empulhação. A resposta que não deu a um dos mais graves problemas de infra-estrutura do país expõe uma ética do poder. Na reta final de mandato, Lula decide gastar R$ 450 milhões, sem licitação, para tentar compensar a incúria de antes. E confessa por vias tortas: trata-se, sim, de campanha eleitoral Por Rui Nogueira
Governantes brasileiros, às vezes, têm ataques de “rei-filósofo”. É uma pena que Delfim Moreira, que era maluco, não tenha deixado seus pensamentos. Serviria de emulação a presidentes loquazes que vieram depois. Washington Luís, que dá nome a uma excelente rodovia de São Paulo (sob concessão), disparou uma frase-emblema: “Governar é abrir estradas”. O deputado José Carlos Aleluia (PFL-BA) reinterpretou a máxima, adaptando-a aos modos de um outro Luiz, o Inácio da Silva.
O supremo mandatário da hora, sem ter aberto estradas e sendo incerto que tenha governado, produziu, no entanto, o maior número de máximas filosóficas da história “deste país” (pronuncia-se com acento gutural, quase raspando a garganta). Segundo Aleluia, “para Lula, governar é tapar buracos de estradas sem licitação”. O truque eleitoral do tal do PETSE (Programa Emergencial de Trafegabilidade e Segurança nas Estradas), vulgo “operação tapa-buracos”, não precisa nem ser demonstrado. Foi admitido pelo próprio presidente em discurso no Rio. O que Primeira Leitura faz aqui é escarafunchar os arquivos e discursos petistas para elaborar, com a licença de Nietzsche, uma “genealogia do buraco” e, se nos permitem, da moral – a particularíssima moral petista.
Uma única vez, em abril do ano passado, Lula admitiu que nada fez pelas estradas, mas o mea-culpa durou só algumas semanas. No programa Café com o Presidente, no dia 16 de janeiro, ele arriscou uma desculpa esburacada e um desmentido sobre os bilhões supostamente investidos. “Não tivemos dinheiro no ano de 2003, tivemos apenas R$ 2,5 bilhões em 2004, e somente em 2005 é que nós tivemos R$ 6,5 bilhões empenhados (...). Era preciso juntar o dinheiro para fazer [as obras em 2006], aquilo que é obrigação do governo fazer.” A viagem pela moral esburacada petista começa na campanha eleitoral de 2002.
Em meados de 2002, Lula e aquela penca de supostos especialistas que Duda Mendonça exibiu na TV botaram no papel a convicção (!) de que a infra-estrutura não podia ser alvo de privatizações e concessões. Lula, se eleito fosse, faria tudo diferente. Afirmava-se que “o programa de privatização” do governo FHC havia sido “concebido à margem de uma visão estratégica de desenvolvimento nacional”. Dizia mais o Caderno de Diretrizes: que os tucanos deveriam ter optado por “investir em infra-estrutura”. No volume com o “programa” genérico, aquele que Lula carregava para tudo quanto era lado, em vez de uma proposta para os transportes, havia não mais do que um diagnóstico. Ali se lê que “o novo governo [desenvolveria] uma política nacional de transportes”. E constatava para gáudio do Conselheiro Acácio: “em sua característica mais determinante (...), o setor de transportes no Brasil tem mantido uma excessiva concentração da demanda no domínio rodoviário”. Era uma crônica descritiva rebuscada, não um programa.
Lula assumiu e trabalhou com o Orçamento preparado pelo governo anterior, que previa R$ 490 milhões para a recuperação da malha rodoviária. Apesar do dinheiro apertado e dos problemas fiscais herdados da convulsão financeira provocada pelo próprio PT, Lula dizia que, “por ter percorrido 90 mil quilômetros” nas Caravanas da Cidadania, sabia das condições das rodovias e que era preciso recuperar de pronto “6 mil quilômetros”. O “rei-filósofo” aprendeu tudo na estrada da vida. Nascia ali um número que perseguiria o governo até este janeiro de 2006. A ele se acrescentarão alguns milhares de quilômetros ao sabor das necessidades da propaganda oficial: 7 mil, 14 mil, 42 mil... A progressão geométrica não tem o ímpeto multiplicador que a incompetência petista exige para ser devidamente retratada. FHC deixara também um plano para concessões de rodovias federais. Como Lula e o PT eram contra, o governo que saía houve por bem deixar para o seguinte a definição do que fazer. E naquele ponto estamos. Lula agora já não diz que concessões são privatizações disfarçadas. Mudou de idéia, mas não de competência.

Faltando quatro meses para Lula terminar o primeiro ano de mandato, aconteceu algo espantoso. Em vez de prestar contas sobre aqueles R$ 490 milhões e os “6 mil quilômetros”, o boletim Em Questão (n° 62), editado pela secretaria do então ministro Luiz Gushiken e, em Brasília, chamado de Pravda, começava assim: “A recuperação da malha rodoviária brasileira é uma das prioridades (...). O governo federal, através do Programa de Recuperação e Manutenção das Rodovias, irá investir [grifo nosso] R$ 490 milhões na licitação de mais de 7 mil quilômetros”. Era o feitiço do tempo. No oitavo mês de governo, Lula não tinha como se sujar com uma gotinha de piche, mas ampliava em mil quilômetros a promessa. E o Pravda continuava: “Em parceria com Estados e municípios, 27.305 quilômetros de estradas estão em processo de manutenção e restauração”. Não satisfeito, sapecou outra enormidade e mandou informar que “outros 30 mil quilômetros, que se encontravam em estado crítico, tinham sido submetidos a uma operação de caráter emergencial, chamada de operação tapa-buracos. Metade dessas obras já está concluída, e o restante será executado até o final de outubro”. Tudo somado, chegar-se-ia a 64.305. Fora os 7 mil em processo de licitação, o total de estradas transitáveis alcançaria 57.305 quilômetros. Só para o leitor ter noção da fanfarronice: o país tem 58 mil quilômetros de rodovias federais. Mas como tudo aquilo teria sido feito se os R$ 490 milhões ainda estavam confessadamente intocados? Tirados do buraco, os fatos são os seguintes: em 2003, o ministro Antonio Palocci (Fazenda) vetou os gastos que estavam previstos, rapou o dinheiro para o superávit primário e mandou o então colega dos Transportes, Anderson Adauto, dar prioridade às concessões rodoviárias. À falta do que mostrar, Gushiken produziu vontades políticas. O Pravda original, o jornal da ditadura soviética, mentia menos.
O governo Lula preparou o Orçamento de 2004, o primeiro inteiramente de sua lavra, e trombeteou que, naquele ano, o dinheiro para a recuperação da malha rodoviária chegaria a R$ 957 milhões. As manchetes, que podem ser consultadas nos arquivos abertos da internet, estampavam: “Orçamento para recuperar estradas quase dobra”. Nominalmente, é claro!
O plenário do Senado assistiu a um curioso debate na noite do dia 13, uma terça-feira. Ante uma saraivada de críticas de pefelistas e tucanos, o senador Aloizio Mercadante (PT-SP), líder do governo, fez um discurso de prestação de contas. Começou afirmando que, no ano anterior, o governo havia recuperado “25 mil quilômetros de estradas” – pelas contas do boletim Em Questão de agosto daquele ano, que era e é a palavra oficial do governo, Lula havia recuperado mais de 57 mil quilômetros, ou 6 mil, ou 7 mil, ou 30 mil, sabe-se lá... Sem convencer os senadores da oposição, acabou entregando os pontos e arrematou com esta pérola: “O governo trabalha na perspectiva [grifo nosso], neste ano, de fazer um programa de recuperação de estradas de amplo alcance”. Ah, bom: era uma “perspectiva”.
Transcorridos seis meses do segundo ano de mandato, aquele que tinha um orçamento quase dobrado para recuperar estradas, a Fazenda havia liberado ridículos R$ 43 milhões (pouco menos de 4,5%). O buraco orçamentário era tão gritante que uma comissão de sindicatos de caminhoneiros foi a Lula e ameaçou: ou o governo investia na recuperação das rodovias ou eles promoveriam o Dia do Paradão Nacional. Os “companheiros” acabaram se contentando com promessas. Entre os dias 24 e 31 de dezembro, sob o impacto da notícia de que o Produto Interno Bruto (PIB) de 2004 registraria um crescimento de 5%, Lula mandou “abrir o cofre”. Era o trivial burlesco: a Fazenda anunciou a “liberação” de R$ 956 bilhões, mas o Ministério dos Transportes teria, para ficar com o dinheiro, de empenhá-lo até as 18h do último dia do ano. Parecia gincana: gaste se puder. A pasta conseguiu usar pouco mais de R$ 300 milhões. Para recuperar estradas? Não. Para pagar dívidas com empreiteiras.
A OPERAÇÃO tapa-buraco em ação na BR-040, que liga Brasília a Minas, em janeiro
O Em Questão publica o boletim 241. Um autêntico 171: “O Ministério dos Transportes terá um reforço de caixa em 2005”. Sem dizê-lo, o boletim dava a entender que 2003 e 2004 foram desastrosos em matéria de investimentos na infra-estrutura rodoviária, mas que, dali para a frente, como na velha canção do Roberto, tudo seria diferente. O Orçamento total dos Transportes, dizia, “deve pular dos atuais R$ 2,7 bilhões para R$ 6 bilhões, montante inédito na história de investimentos em infra-estrutura de transportes. Com isso, a expectativa é que, no ano que vem [2005], 60% da malha rodoviária federal seja recuperada. Até o final de 2006, toda a malha estará em boa condição de tráfego”. Nascia ali outra lenda orçamentária: a de que o governo teria investido um total de R$ 6,5 bilhões só na recuperação de estradas. Tomava-se o orçamento global do ministério como se destinado fosse só à necessidade mais urgente. E se davam asas à síndrome do ineditismo, aquela neurose segundo a qual Lula sempre faz o que ninguém nunca fez.
A superfície lunar das estradas de 2003 só piorou em 2004, com uma administração vivendo no mundo da lua. Mas o governo assegurava que, “até março de 2005”, estaria concluída a recuperação de “20% a 25% da malha rodoviária federal, o equivalente a pouco mais de 7 mil quilômetros”. Como assim?! Se, em outubro de 2003, a malha recuperada chegava a 57 mil quilômetros, o que eram esses 7 mil anunciados ao fim de 2004? Ademais, 25% dos 58 mil quilômetros de estradas federais somam cerca de 12 mil quilômetros... Como já disse Lula, o “rei-filósofo”, o chato de mentir é que é sempre necessário inventar uma mentira nova. Ou, no caso, voltar a uma velha.
Ao completar exatos 850 dias de governo, em 29 de abril de 2005, Lula concedeu a sua primeira entrevista coletiva. Foi no Planalto. Um repórter indagou quais os três maiores erros que o presidente assumia como de sua responsabilidade. Depois de anunciar, ao longo de 2003 e 2004, milhares de quilômetros de estradas “recuperadas” e “investimentos” bilionários, ele enumerou: 1) errou ao não ter tido “uma participação maior na sucessão da Câmara”; 2) “ao não ter feito com que os juros não sejam o único padrão de controle da inflação”; 3) “ao não conseguir fazer as obras nas rodovias brasileiras”.
Menos de três meses depois do mea-culpa, Lula, com o ministro Alfredo Nascimento (Transportes) a tiracolo, foi a São Bernardo do Campo (SP) participar da abertura do 100 Festival dos Cegonheiros. Diante de 3 mil pessoas, já acuado pelo escândalo do mensalão, soltou a língua: “Nós herdamos mais de 38 mil quilômetros de estradas praticamente intransitáveis. Eu fico me perguntando às vezes: o que era feito neste país, que nem a manutenção das estradas era feita?”. Ele chamou Nascimento e pediu-lhe que dissesse o que havia feito pelos caminhoneiros. Segundo as contas do ministro, o governo já autorizara a liberação de “R$ 6,5 bilhões” para a recuperação de “7 mil quilômetros de estradas federais” em 2004. A expectativa era de mais 7 mil naquele 2005. Se o próprio Lula, na entrevista de abril, admitira que nada fizera em matéria de recuperação de rodovias, de onde o ministro sacou os 7 mil quilômetros e os R$ 6,5 bilhões? Ora, esse dinheiro, na verdade, correspondia ao total de toda a pasta. Até porque, convenha-se, se ele gastasse aquela bolada em apenas 7 mil quilômetros, a recuperação de cada um teria custado a soma astronômica de R$ 928,57 mil e seria, então, um caso de polícia. Na operação iniciada no dia 9 de janeiro, 26.506 quilômetros serão “recuperados” com R$ 440 milhões: custo médio de R$ 16.600 por quilômetro. Os recursos autorizados pelo Congresso – antes, portanto, dos cortes do Ministério da Fazenda – para esse tipo de serviço, nos anos de 2003, 2004 e 2005, pouco passam de R$ 3 bilhões. E de onde teriam saído os R$ 6 bilhões do ano passado se todo o custeio e investimento dos Transportes consumiram R$ 2,7 bilhões? Lula e Nascimento, dois líricos, cultivavam ali a máxima de Mário Quintana: “A mentira é a verdade que esqueceu de acontecer”.
No dia 10, o Em Questão voltou a mentir mais do que o antigo Partido Comunista Soviético. Com um “Resumo das principais realizações do governo federal nos seus 30 meses”, no item “Transportes”, lê-se: “O governo está recuperando a infra-estrutura de transportes do país, com obras de construção e modernização nos mais diversos setores. Nas rodovias, já foram realizados serviços de conservação em 42 mil quilômetros”. Nem a reportagem erra nem você vê errado, leitor: 42 mil quilômetros! No mesmo Em Questão, edição do dia 19, o Planalto tascou: “O governo federal promoveu, em 30 meses, a recuperação de mais de 6 mil quilômetros de rodovias, a quantidade mais expressiva dos últimos 20 anos”. Nunca fica claro o que é tapa-buraco e capina (tecnicamente uma operação de “conservação pontual” de rodovias) e o que é “recuperação”, uma obra de engenharia que refaz a base destruída de uma estrada e a asfalta para durar, em tese, pelo menos uns dez anos. A encerrar o texto desse boletim, um quadro mostrava, a título de balanço, que, em 2003, teriam sido tapados os buracos de 2,4 mil quilômetros de rodovias; em 2004, 2,8 mil, e, em 2005, até outubro, outros 800 quilômetros. Eis a soma dos tais 6 mil quilômetros de estradas que, em três anos, passaram por operações tapa-buracos. Eram as mesmas estradas que, no fim de 2005, estavam novamente intransitáveis. No Palácio da Alvorada, diante da buraqueira exibida pelas reportagens das TVs, Lula sentiu o desconforto político-eleitoral que as imagens estavam criando. Dias depois, deparou-se com outra reportagem, exibida na TV Globo, mostrando agentes da Polícia Rodoviária Federal a tapar os buracos mais perigosos de uma rodovia. Nascia ali a eleitoreira operação tapa-buracos versão 2006, batizada agora de Programa Emergencial de Trafegabilidade e Segurança nas Estradas (PETSE).
Definido o PETSE, o boletim do dia 5, o de n° 389, outro 171, escrevia: “No primeiro semestre de 2006, o governo federal vai aplicar R$ 440 milhões na recuperação de 26.506 quilômetros de estradas localizadas em 25 Estados do país (...). Os recursos são provenientes de um crédito extraordinário liberado pela União (R$ 350 milhões) e do Orçamento de 2005, do Ministério dos Transportes (R$ 90 milhões)”. Afinal de contas, por que o Ministério dos Transportes, com orçamentos apregoados de até R$ 6 bilhões, precisa de créditos extras para fazer uma operação tapa-buracos? Como o Orçamento deste ano ainda está para ser aprovado, o do ano passado deveria estar bancando a operação de agora, certo? Se foi preciso abrir crédito extra, o que foi feito com os tais R$ 6,5 bilhões de 2005? Se existem 26.506 quilômetros para recuperar, o que foi feito nos 6 mil, 7 mil, 14 mil, 25 mil, 30 mil, 42 mil, 57 mil ou 64 mil quilômetros de estradas recuperadas? Raros casos, como esse, podem ser classificados de uma verdadeira anatomia de um embuste.
Em 1997, quando o PT ainda se fingia de vestal, em entrevista ao Jornal da Tarde (SP), Lula exemplificava assim a diferença entre o PT e os demais partidos: “Da mesma forma que defendo que todos os funcionários públicos sejam contratados por concurso, acho muito mais lícito que todos os serviços sejam contratados por licitação. Isso faz parte dos discursos e da prática do PT”. A maior parte dos R$ 440 milhões do PETSE será gasta sem licitação, e o governo Lula já botou para dentro da máquina pública federal, sem concurso, cerca de 10 mil servidores.
Fez-se aqui a genealogia dos buracos. E também de uma moral: a petista.
A realidade no buraco
Segundo especialista da área, falta mais competência ao governo para gastar do que propriamente dinheiro
CAFÉ COM O PRESIDENTE: sem corar, ele anuncia R$ 6 bi para as estradas
O leitor já percebeu que uma coisa é o Orçamento aprovado pelo Congresso, outra é o dinheiro empenhado, e uma terceira é o valor efetivamente gasto. Luiz Fernando Santos Reis, presidente do Sindicato Nacional da Indústria de Construção Pesada (Sinicon), observa: “O governo não sofre tanto de falta de dinheiro, mas de incapacidade de gerir e executar o Orçamento”. Tome-se como exemplo o orçamento de 2005 do Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (Dnit). Na versão inicial do Orçamento enviado para o Congresso, o órgão tinha R$ 2 bilhões. Os parlamentares elevaram para R$ 2,3 bilhões. O empenhado chegou a R$ 1,4 bilhão. O liquidado ficou em R$ 744 milhões, e o efetivamente pago, em R$ 679 milhões.
Segundo números do Ministério dos Transportes enviados à Primeira Leitura, a manutenção da malha rodoviária consumiu, em 2005, os R$ 2,3 bilhões. Será? Nos discursos de Lula, a rodovia Corredor Mercosul, por exemplo, recebeu “investimentos” no valor de R$ 729 milhões. Descontada a neurose do ineditismo, foram gastos, com efeito, R$ 156 milhões: 21,39% do anunciado.
Outro documento oficial, com um “resumo da execução orçamentária e financeira” tomando como base o dia 31 de dezembro de 2005, traz como gasto autorizado R$ 7,5 bilhões. O dinheiro pago, no entanto, foi R$ 2,7 bilhões. Lula fica corado? Que nada! No programa Café com o Presidente, no dia 16 de janeiro, não hesitou: “Vou repetir os números: em 2005, empenhamos R$ 6 bilhões, e vamos outra vez empenhar R$ 6 bilhões em 2006. Se nós continuarmos colocando essa quantidade de dinheiro, certamente, em poucos anos, teremos as estradas todas consertadas e muitas estradas novas”. Como nunca “neste país”...
Observemos agora o orçamento de R$ 440 milhões para o tal PETSE. Diz o ministério ao Tribunal de Contas da União (TCU) que pretende gastar de R$ 2,4 mil a R$ 30 mil por quilômetro para fazer a tal “recuperação pontual” (tapar os buracos), obra que agüentaria um ano. Nos trechos que têm “poucos problemas estruturais” e que exigem “recapeamento e conservação”, diz o relatório entregue ao TCU, a obra, que duraria quatro anos (!), custará de “R$ 50 mil a 120 mil” por quilômetro. Segundo Santos Reis, a manutenção das rodovias sob regime de concessão e privatizadas consome R$ 180 mil ao ano por quilômetro. Se é assim numa estrada que já tem um piso de primeira, que serviço o governo está oferecendo em vias em estado crítico, com preços que variam de R$ 2,4 mil a R$ 120 mil por quilômetro?
Lula abriu o ano tapando buracos e falando em construir “estradas novas”, mas essa é outra agonia que toma conta do setor que quer investir em infra-estrutura e esbarra no cipoal burocrático. Na entrevista-balanço concedida no dia 2 de janeiro, o ministro Alfredo Nascimento disse o seguinte: “Ainda neste mês, devemos lançar o edital para a concessão de oito lotes de rodovias”.No dia 20 de janeiro, ao falar à Primeira Leitura, o presidente do Sinicon não parecia animado: “Faltam dez dias para janeiro terminar. Se os editais não saíram, não sei como podem sair em uma semana. E, se não saírem até o fim de março, com toda a política voltada para o ano eleitoral, é que vai ser difícil sair alguma coisa. Corre-se o risco de este governo não conseguir leiloar nenhuma concessão rodoviária”. – RN
Algo que Weingarten não diz, mas fica dolorosamente evidente, é que o New Journalism, visto de perto e com lucidez, é uma fantasmagoria. Houve um momento breve e glorioso em que o grupo se identificou como um movimento e foi percebido como tal. Em realidade, foi uma brilhante invenção de Tom Wolfe para justificar o fato de que ele queria mesmo era ser romancista. Weingarten cita piamente a definição de que o “novo jornalismo” consiste em textos que “se lêem como ficção, mas possuem o som da verdade dos fatos observados”. A receita não é das melhores, e demorou pouco tempo para que os repórteres começassem a imitar o som da verdade com fatos imaginados.
Ademais, a definição não era nova. Ele mesmo cita como uma das grandes influências do grupo a repórter da New Yorker Lillian Ross, autora de famosos “perfis”, que, já na década de 1940, reivindicava o direito de escrever “peças factuais com a forma de romance” (Hemingway achava que seu perfil tinha mais de romanesco que de factual). E, antes ainda, William Faulkner havia dito que “a boa ficção é mais verdadeira do que qualquer jornalismo”. Não sei se Tom Wolfe conhece a frase, mas sua carreira posterior ao New Journalism a ilustra impecavelmente. – Hugo Estenssoro

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