Por: Dora Kramer
presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Roberto Busato, em seu discurso na posse da ministra Ellen Gracie na presidência do Supremo Tribunal Federal, defendeu a necessidade de se "pôr a termo" a sensação de que o Brasil "é o país da impunidade".
O presidente Luiz Inácio da Silva estava lá, ouviu e seria de todo conveniente que não só apreendesse o sentido total da frase como tomasse consciência de que tem sido ele um dos principais empecilhos para a reforma de mentalidades referidas na cultura da infração e talvez o mais destacado incentivador do supostamente esperto descaso à lei.
O desleixo do presidente com o conteúdo e os efeitos de suas palavras dispensa apresentações, pois três anos e meio de mandato não foram suficientes para imbuir Lula do sentido do cargo, da responsabilidade que tem como cidadão-símbolo dos valores de correção e probidade.
Quando fala, o presidente continua dando à própria voz um tratamento leviano; típico, não obstante condenável, de políticos de oposição. Com a mesma ligeireza que apontava a existência de "300 picaretas" no Congresso, Lula avalizou o uso do caixa 2 em campanhas eleitorais e agora, mais exatamente na quarta-feira à noite, assume-se em estado de flagrante agressão à lei e não se mostra minimamente constrangido com isso.
Ao contrário. Durante o lançamento do livro do senador Aloizio Mercadante o presidente da República repetiu que não tem pressa em oficializar sua candidatura à reeleição e, desta vez, explicou a razão com todas as surpreendentes e robustas letras.
"Temos dois meses pela frente, temos muitas obras para inaugurar. Se eu disser que sou candidato, eu não posso fazer isso. Se o partido fizer convenção vai ficar mais difícil. Então, eu quero ter liberdade para fazer as coisas", disse ele.
E por "fazer as coisas" entenda-se iniciar a campanha eleitoral valendo-se dos instrumentos à disposição da Presidência e fora do prazo legal permitido.
De tão ousada e displicente, a declaração do presidente chega a soar ingênua. Ele parece realmente convencido de que "as coisas" podem ser feitas desse modo. Se a lei não permite, então arranja-se um jeito de contornar as restrições.
Para ele, tudo se resume a aparências: se não diz que é candidato, pode agir como se não fosse, embora reconheça que só não assume a candidatura porque isso o obrigaria a andar dentro da lei, em condições de igualdade com seus adversários.
O presidente manifesta inconformidade com as cobranças, reivindica o direito de "colher o que plantou", defender o seu governo e mostrar seus feitos. Pois muito bem, teve três anos e meio para isso e, a partir de julho, com o início oficial da campanha terá de novo.
Só não poderá "fazer as coisas" usando os instrumentos de Estado. Quando se iniciar o horário eleitoral, em agosto, os programas do PT estarão à sua disposição para pedir um segundo mandato, apresentando todas as realizações e credenciais administrativas.
Geraldo Alckmin fará o mesmo em relação ao governo de São Paulo e assim também Anthony Garotinho, se conseguir se manter candidato até lá. Pode-se argumentar que esses dois, e outros tantos, também fazem campanha fora de época.
A diferença, porém, é que não escamoteiam essa condição e, portanto, estão submetidos a contestações legais e a eventuais punições.
Lula não, exacerba o atrevimento no confronto às regras e ainda busca justificar sua posição jactando-se dos subterfúgios adotados para burlar as normas.
Acentua, assim, a "impressão de que o Brasil é o país da impunidade" e firma a constatação de que o presidente da República adota o lema segundo o qual todos são iguais perante a lei, mas alguns são mais iguais que os outros.
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